Título: Inoportuno e inconveniente
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2005, Política, p. A6

Poucas vezes um funcionário do atual governo se expressou de maneira tão clara quanto o assessor especial do Planalto César Alvarez, ao descrever o assédio que sofreu do irmão do presidente, Genival Inácio da Silva, numa cena explícita de lobby de uma entidade privada dentro de um próprio público: "Não caracterizaria como reunião rápida. Eu me neguei a recebê-los por achar inoportuno", descreveu Alvarez. "Fui surpreendido por aquelas pessoas acompanhando o Vavá. O advogado foi até inconveniente, tanto que os presidentes das federações me pediram desculpas." O Vavá em questão é Genival. O "inconveniente", o advogado da Federação Brasileira de Hospitais, interessada em conseguir uma forcinha do assessor especial para receber de uma só vez, com abatimento, R$ 580 milhões de uma dívida que a União foi condenada judicialmente a pagar parceladamente. "Quem conhece o Vavá sabe que ele não é lobista", apressou-se a dizer o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner. O ministro Wagner tem em quem se espelhar: o exemplo vem de cima. Na sexta-feira, Lula se reuniu com a bancada do PT na Câmara. Foi, no mínimo, condescendente com uma ação definida como criminosa pela legislação: o caixa 2, prática que seu próprio ministro da Justiça declarou que deve ser guardada "só para os bandidos". Pois os relatos não-desmentidos da reunião dizem que o presidente passou as mãos nas cabeças dos acusados de receber dinheiro do valerioduto, algo que, segundo Lula, "foi feito por todos os partidos" e não tornava os companheiros nem "corruptos" nem portadores de "doença contagiosa". Interessado na renúncia dos seis deputados petistas envolvidos no mensalão, Lula foi transigente com os companheiros, a exemplo de Wagner com Vavá. Para o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN), o presidente se "acostumou a conviver gostosamente com a improbidade". A tolerância de Lula com o caixa 2 e com a mistura dos interesses públicos com o interesse privado indicam um comportamento serial do atual governo e do PT, que parecem não ter aprendido nada com a crise. O próprio Agripino Maia relaciona pelo menos cinco outros episódios que demonstrariam que a mistura dos interesses público e privado não é uma exceção, mas um padrão na Presidência de Lula da Silva: 1-A estrela do PT desenhada nos jardins do Palácio da Alvorada, um bem próprio da União. 2-A viagem de férias dos filhos e colegas de Lula num avião da Força Aérea Brasileira (FAB), com direito a passeio em lancha da Marinha no Lago Paranoá.

Lula convive perigosamente com a improbidade

3-A compra pela Telemar, uma concessionária de telefonia, de 35% da Gamecorp, empresa de um filho do presidente. 4-O empréstimo de R$ 29,6 mil do PT ao presidente, que Lula nega ter feito, o amigo Paulo Okamotto afirma ter pago e o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) diz ter sido um adiantamento para cobrir despesas de viagem. 5-Rumores de contas familiares que teriam sido pagas com cartões de crédito amigo. "O Waldomiro (Diniz, pilhado ao pedir propina de um empresário) e o Buratti (Rogério, acusado de tentar intermediar negócios na Caixa), por terem ficado impunes, estão fazendo escola", diz Agripino. Esses são os episódios destacados por Agripino. Há outros, no mandato de Lula, indicativos de uma confusão nada republicana entre os interesses públicos e privados ou particulares. Começa pelo inofensivo transporte da cadela Michelle do Alvorada para Granja do Torto num carro do governo. Mudança, aliás, determinada pela reforma do Palácio da Alvorada a um custo de R$ 18,4 milhões bancado por 20 empresas privadas, boa parte delas com débitos - contestados judicialmente - com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Além do contencioso pessoal do presidente, há o do PT: Sílvio Pereira nunca foi funcionário do governo, mas era quem negociava com os partidos a distribuição de cargos; na mesma situação, Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do partido, fazia reuniões no Planalto, ministérios e viajava para o exterior com o presidente. Isso sem falar dos R$ 70 mil em ingressos comprados pelo Banco do Brasil de um show destinado a arrecadar recursos para a construção de uma suntuosa sede para o PT.