Título: Disputa entre Jaques Wagner e Renan agita os bastidores do poder
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2005, Política, p. A6

A exemplo de seu antecessor no cargo, o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, enfrenta dificuldades na coordenação política do governo. A principal delas é o presidente do Senado, Renan Calheiros, com quem o ministro passou as duas últimas semanas às turras. Eles voltaram a se falar no fim da semana passada, após quase dez dias de troca de estocadas nos bastidores. Mas, as desconfianças ficaram: Renan em geral trata com desdém a atuação de Wagner - "não tem trânsito" -, costuma dizer -, enquanto deputados que deixam o gabinete do ministro rebatem que Renan quer ser o principal interlocutor do Congresso com o governo. A disputa se agravou na eleição do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para a presidência da Câmara dos Deputados. Estimulado pelo deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), seu conterrâneo e aliado no anticarlismo na Bahia, Wagner resolveu defender a candidatura do presidente nacional do PMDB, Michel Temer (SP), para o cargo. Renan ficou furioso. Geddel é seu inimigo interno. Além disso, considerou uma "ingenuidade" de Wagner apostar numa candidatura originária na ala anti-governista do PMDB, ainda mais aliada a setores do PSDB e do PFL, como imaginara possível o ministro das Relações Institucionais. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva matou no nascedouro a iniciativa do ministro, segundo participantes de uma das reuniões que trataram da eleição na Câmara, com uma frase que deixou Wagner corado: "Isso é o que o FHC (o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) pensa". Para o presidente, Wagner não compreendera a intensidade do confronto governo-oposição e estava querendo que a Câmara decidisse entre dois candidatos que não eram dele: Temer e o pefelista José Thomaz Nonô (AL). Àquela altura, Lula se inclinava pela candidatura do deputado Eduardo Campos (PSB-PE), mas Renan Calheiros já fazia o lobby de Aldo Rebelo. Lula temia que Aldo, por ter sido coordenador político do governo, encontrasse dificuldades para se eleger. Renan e o ex-presidente José Sarney argumentaram que Aldo era um nome mais palatável para o PMDB, partido que sempre apoiou enquanto esteve no Planalto. Batido o martelo, Wagner efetivamente se engajou na campanha de Aldo. Vencida a batalha, apareceram as intrigas: Lula teria ficado aborrecido com Renan e Sarney, porque eles não teriam entregue a mercadoria prometida - a grande maioria dos votos do PMDB. A vitória fora estreita, por apenas 15 votos. Logo depois, surgiu a notícia de que Lula vetara a presença de Renan na visita protocolar que Aldo, já como presidente da Câmara, fez ao presidente da República. O presidente do Senado logo atribuiu o noticiário a Jaques Wagner, mas esperou para dar o troco. Primeiro, passou a espalhar no Congresso que o ministro não cumpriu a meta de votos do PTB, partido do qual ficara encarregado na eleição, tarefa que teria terceirizado para o ministro Walfrido Mares Guia (Turismo). Depois, publicamente, ao defender que o Congresso trate até o fim do ano da reforma política, da qual Wagner abrira mão em nome do governo. Segundo Renan, a sociedade não tolera mais uma eleição com as regras que propiciaram o valerioduto. A desforra de Renan, por fim, veio no que seria o maior sucesso de Wagner: na noite de quarta-feira, o presidente do Senado anunciou que o bispo Luiz Cappio aceitara os termos de um acordo para encerrar a greve de fome contra o início das obras para a transposição do rio São Francisco. De fato, o ministro viajaria para Cabrobó (PE), onde se encontrava o bispo, no início da tarde de quarta-feira. Pouco antes de embarcar, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pediu que ele adiasse a viagem por algumas horas, pois vislumbrara a possibilidade de dom Cappio aceitar um acordo. Até então, as notícias recebidas no Planalto eram de que o bispo só aceitaria encerrar a greve em troca da suspensão das obras de transposição. Na mesma tarde de quarta-feira a CNBB informou o Palácio do Planalto que o bispo aceitaria o acordo proposto. Renan, que desde a véspera discutia com o presidente Lula uma saída para o impasse, foi avisado. Imediatamente vazou a informação, tirando de Wagner a chance de aparecer como o ministro que convenceu dom Luiz Cappio a desistir da greve de fome. Na realidade, a greve de fome do bispo provocou um mutirão no governo, de Lula ao ministro Luiz Dulci (Secretaria Geral), passando pelo baiano Wagner, escalado para a conversa com dom Cappio. O fato de confundir assuntos da Bahia com a política nacional é uma das principais críticas feitas à coordenação de Wagner. Apesar de algum ruído na relação com o presidente da CPI, Delcídio Amaral, líder do PT no Senado, por conta da convocação do presidente da GDK (empresa de engenharia com sede na Bahia que constrói plataformas para a Petrobras), nem de longe Wagner tem os problemas que seu antecessor Aldo Rebelo teve com o PT. Leva também a vantagem de ter um grupo de líderes em processo de rearticulação na Câmara, que pode melhorar ainda mais com as mudanças previstas no PL e PP. E de uma nova atuação do presidente Lula. Acuado pela crise, Lula passou a dedicar mais tempo e energia para a coordenação política e à relação com o Congresso.