Título: Uma política fria, que teve ascenção meteórica
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2005, Internacional, p. A8

Perfil

A chegada de Angela Merkel ao poder coroa uma meteórica carreira política. Em dez anos, ela passou de obscura pesquisadora a líder da CDU (União Democrata Cristã), principal partido de centro-direita na Alemanha. Para isso, passou por cima da velha guarda machista do partido. Considerada uma pessoa fria e implacável, ela respondeu assim à pergunta ontem sobre como se sentia de ser a primeira mulher a governar o país: "Me sinto bem". E continuou a falar de política. Merkel fez campanha prometendo uma profunda reforma no Estado de bem-estar social e nas proteções aos trabalhadores, que ajudam a asfixiar o crescimento econômico alemão. Mas ela não terá mãos livres para implementar as reformas, pois dividirá o poder com os rivais social-democratas, do hoje premiê Gerhard Schröder. Ela quer tornar mais fácil, para empresas de pequeno porte, demitir funcionários (hoje algo quase impossível), para que elas não temam contratar pessoal em períodos de aquecimento econômico. E quer ainda que as empresas não sejam obrigadas a aceitar acordos salariais coletivos apoiados pelos sindicatos, que obrigam empresas de menor porte em dificuldades a pagar o mesmo padrão salarial de companhias grandes e lucrativas. Merkel também compartilhará a política externa com os social-democratas, aos quais teve de entregar o Ministério de Relações Exteriores. Ela tem se revelado mais pró-americana que Schröder, que se opôs à decisão americana de ir à guerra no Iraque. Muitas de suas posições econômicas e de política externa parecem ter sido modeladas nos anos em que cresceu sob o repressivo regime comunista da Alemanha Oriental. Numa autobiografia, ela conta que, quando vivia atrás da Cortina de Ferro, havia se conformado com o fato de que "só poderia visitar os EUA após completar 60 anos de idade". Mas acabou fazendo a viagem quando estava na faixa dos 30 anos, em 1991, como ministra no governo do ex-premiê conservador Helmut Kohl. Durante a campanha, ela evitou questões como o Iraque, por saber que a feroz oposição de Schröder à guerra continua popular na Alemanha. Mas poucos duvidam de que ela se relacionará melhor com Washington: Merkel criticou Schröder por ele se opor ao emprego de força no Iraque sob quaisquer circunstâncias e recusou-se a expressar frustração com Bush depois que não foram encontradas armas de destruição em massa. Mas Merkel é contra a entrada da Turquia na União Européia, defendida tanto por Bush como por Schröder. Diz que a adesão de um grande país muçulmano (cuja população poderá, num futuro próximo, ultrapassar os 82 milhões da Alemanha) introduziria tensões excessivas na UE. Para ela, o bloco deveria oferecer uma "parceria privilegiada", em vez de plena participação, à Turquia. Merkel, que não tem filhos, vive com seu segundo marido, Joachim Sauer, professor de química da Universidade Humboldt, em Berlim. Ele evita aparições públicas, com exceção da ida anual do casal ao festival operístico de Wagner em Bayreuth, o que lhe valeu o apelido de "o fantasma da ópera". Em 1977, ela se casou com Ulrich Merkel, colega de estudos universitários. Eles se divorciaram em 82. Merkel nasceu Angela Dorothea Kasner, em Hamburgo, na Alemanha Ocidental, em 17 de julho de 1954. Três anos depois, seu pai, o pastor protestante Horst Kasner, mudou-se com a família para Templin, pequena cidade 80 km ao norte de Berlim, no leste comunista, para educar novos clérigos. Isso marcaria o futuro de Angela. Seus pais lhe disseram que, como filha de um pastor, ela teria de ter um desempenho superior ao de outras crianças para poder freqüentar uma universidade. Merkel revelou-se ótima estudante de matemática e ciências, bem como de russo e inglês. Ela se formou em física na Universidade de Leipzig. Merkel era uma obscura pesquisadora teórica quando o Muro de Berlim caiu, em 1989. Tinha então 35 anos. Nas primeiras eleições livres no leste, em março de 1990, foi eleita para o Parlamento pela União Democrata Cristã (CDU), de Helmut Kohl, que se tornou seu padrinho político. Em seguida, se tornou ministra das Mulheres. Ela tornou-se secretária-geral do partido em 1998, e em 2000 chegou à presidência, após exortar a CDU a se livrar de Kohl, que perdera a eleição de 1998 e fora envolvido num escândalo de contribuições de campanha não declaradas, e portanto ilegais.