Título: Alçada ao poder, central enfrenta rebeldia de sindicatos
Autor: Catherine Vieira e Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2005, Especial, p. A14

Enquanto se fortalece dentro do governo, com a chegada ao Ministério do Trabalho e Emprego de seu ex-presidente Luiz Marinho, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) enfrenta a rebeldia de sindicatos, principalmente dos que representam os servidores públicos federais. Neste ano, 30 entidades desfiliaram-se da central. Hoje, a CUT conta com 7,43 milhões de trabalhadores filiados, espalhados por 3.281 sindicatos. Desde o início do governo Lula, a central viu o número de sindicatos filiados encolher 2,15%. Ao mesmo tempo, sua rival, a Força Sindical, vive realidade oposta. De 2003 para cá, o número de entidades a ela filiadas avançou 26,77%, atingiu o número de 1.340 sindicatos e encostou nos números da CUT, pois passou a representar 7,42 milhões de trabalhadores em todo o país. O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) é um exemplo da insatisfação com a postura da CUT. Com cerca de 72 mil professores, a maioria de universidades federais e estaduais, o Andes decidiu em março deste ano, durante congresso da categoria, se desligar da CUT. De acordo com Paulo Rizzo, vice-presidente do sindicato, os professores já estavam descontentes com a central desde o fim de 2003. A primeira "decepção" veio com a reforma da Previdência que, na avaliação dos integrantes do Andes, retirou direito dos trabalhadores. "A gota d'água foi a proposta de reforma sindical aprovada no Fórum Nacional do Trabalho", comenta o sindicalista. "A CUT agora é chapa-branca, aprovou uma proposta que dá margem à flexibilização de direitos trabalhistas e agora tem até um membro dentro do governo", reclama Rizzo, fazendo referência a Luiz Marinho. Ricardo Antunes, professor da Universidade de Campinas (Unicamp) e especialista em relações de trabalho, diz que a CUT está intrinsecamente ligada ao governo Lula e que tem defendido posturas que sempre combateu em seus 22 anos de história. Em primeiro lugar, diz ele, através de ex-membros da direção da central, que têm ou tiveram papel central no governo como Miguel Rossetto, Olívio Dutra, Ricardo Berzoini e Jaques Wagner. Além disso, os primeiros movimentos da CUT foram a favor ou, no mínimo, neutros em relação às políticas adotadas pelo governo. "A reforma da Previdência, por exemplo, foi a privatização do sistema, a taxação dos aposentados", comenta Antunes. Nesse episódio, a análise do professor é a de que a CUT errou pelos dois lados: fez uma defesa amena do funcionalismo público ao mesmo tempo em que a crítica ao governo foi bastante fraca. "Foi a primeira crise de credibilidade da central desde o começo da gestão Lula", analisa. A CUT se defende e diz que sempre foi independente de partidos políticos e que nada mudou. Denise Motta Dau, secretária de organização da entidade, ilustra essa independência ao citar as greves que já ocorreram no governo Lula lideradas por categorias filiadas à central. "É o caso dos bancários, dos professores e dos trabalhadores da saúde e da Previdência", enumera Denise. No entanto, mesmo nesses ramos, há sindicatos se afastando da CUT, ainda que de maneira não-oficial. A Federação Nacional do Sindicato dos Trabalhadores na Saúde, Previdência e Assistência Social (Fenasps), que esteve à frente da greve de 76 dias realizada neste ano e conta com 250 mil trabalhadores em sua base, decidiu em dezembro de 2004 suspender o pagamento da mensalidade à central. "Deixar de pagar à CUT é o primeiro passo para a desfiliação", relata Pedro Luis Totti, diretor de imprensa da Federação. Mas, essa decisão só poderá ser tomada a partir de março do próximo ano, quando haverá uma plenária da categoria para discutir a questão. Dos 30 sindicatos que se desligaram da CUT até setembro deste ano, 21 se uniram à Coordenação Nacional de Lutas, a Conlutas. Essa entidade não constituiu uma central sindical. É uma coordenação e conta com o apoio de sindicatos e de outras entidades da sociedade civil, como movimentos sociais e organizações não-governamentais. Formada por ex-membros da ala mais à esquerda da CUT e boa parte deles filiados ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), a coordenação tem abrigado os sindicatos que se rebelam contra a central única. Os metalúrgicos de São José do Campos, antes filiados à CUT, estão agora participando das atividades da Conlutas. Luiz Carlos Prates, presidente do sindicato, conta que 95% dos 37 mil trabalhadores da base da entidade aprovaram a desfiliação em agosto de 2004. A insatisfação começou com uma greve realizada pela categoria em 2003 por aumento de salários que, segundo Prates, foi ignorada pela CUT. "O governo foi contra nossa greve com o argumento de que o reajuste salarial poderia gerar inflação. E a CUT se omitiu", reclama. Na visão de João Guilherme Vargas Neto, consultor sindical, a CUT não vive uma sangria ainda, mas está começando a sofrer as conseqüências de sua ligação estreita com o Partido dos Trabalhadores (PT).