Título: Foco de aftosa no MS expõe as fragilidades do governo
Autor: Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2005, Agronegócios, p. B10
Sanidade Apenas 1,57% dos recursos para combate à doença foram gastos
A descoberta de um foco de aftosa numa fazenda em Eldorado (MS), a 30 km da fronteira com o Paraguai, expôs as imensas dificuldades do governo federal em lidar com o tema. A doença foi diagnosticada em 153 cabeças de um rebanho de 582 bovinos. É o terceiro foco da doença confirmado no país desde o início da gestão Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. O secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Gabriel Maciel, admitiu ontem que o Estado, principal produtor e exportador nacional de carne bovina, não recebeu nenhum centavo de recursos federais para o combate à aftosa. Segundo ele, a área econômica do governo ainda não deu sinal verde para a liberação de R$ 3,5 milhões em Mato Grosso do Sul. Outros dez Estados já receberam recursos desde o início do ano. "Mas, de fato, ainda não repassamos nada para eles". Maciel tentou desviar as críticas à lentidão dos repasses, mas afirmou que a falta de recursos "pode ser uma das causas" do surgimento do foco. A análise dos números denota que o brutal corte dos recursos destinados a combater a aftosa e a lentidão dos gastos federais podem mesmo ser responsáveis pelo problema. Do orçamento inicial de R$ 65 milhões, sobraram apenas R$ 35,3 milhões. Mesmo com a meta de erradicar a febre aftosa até 2006, o governo reduziu em 46,5% os recursos para o combate à doença. De principal prioridade do governo no setor, a ação virou quase um acessório. Até agora, só foram efetivamente gastos R$ 553,4 mil. Isso significa o desembolso de apenas 1,57% do orçamento total deste ano para a ação de erradicação da aftosa. Há outros R$ 2,735 milhões prontos para serem pagos (liquidados) e R$ 12,8 milhões comprometidos com gastos (empenhados), segundo consulta feita ao sistema de acompanhamento de gastos do governo federal (Siafi) pelo gabinete do deputado distrital Augusto Carvalho (PPS). O Siafi registra gastos de R$ 9,6 milhões com o combate à aftosa neste ano, mas esses recursos vieram do orçamento de 2004. Não entram, portanto, nos gastos efetivos de 2005. Metade desse dinheiro foi para a aquisição de automóveis. O orçamento geral do Ministério da Agricultura também deixa clara a lentidão nos desembolsos. Em nove meses, a Pasta gastou 9,52% do seu orçamento de investimentos. "Parece que eles não têm conseguido gastar os seus recursos", disse Carvalho. O orçamento real da Agricultura para 2005 foi reduzido a R$ 414 milhões - 43% dos R$ 960 milhões inicialmente previstos. Sem registro de aftosa desde 1999, Mato Grosso do Sul ficará pelo menos seis meses fora do mercado internacional. E a confirmação da aftosa complica a situação dos estados vizinhos - Paraná, São Paulo, Goiás e Mato Grosso e Minas Gerais. Hoje, uma reunião em Brasília definirá que medidas adicionais podem ser tomadas para minimizar as perdas para os vizinhos. Entre as medidas já adotadas está a interdição da propriedade e de seis cidades num raio de 25 km do foco - Eldorado, Itaquiraí, Japorã, Iguatemi e Mundo Novo. "A interdição vai durar até que se concluam os testes que vão avaliar a circulação do vírus, o que pode chegar até seis meses", disse Maciel. Há três frigoríficos nesses municípios - Bom Charque (Iguatemi), Frigorífico Iguatemi (Iguatemi) e Bom Fran (Eldorado). Todos estão impedidos de exportar carne bovina. O Mato Grosso do Sul exportou US$ 227 milhões em carne bovina entre janeiro e agosto deste ano. Em viagem pela Dinamarca, um dos sócios da fazenda onde foi encontrado o foco, Luiz Henrique Vezozzo, tentava, na noite de ontem, conseguir uma passagem de retorno ao Brasil. "Estamos muito preocupados. Sempre fizemos todo o manejo sanitário e reprodutivo e podemos mostrar isso a quem quiser ver", disse Vezozzo ao Valor por telefone. "Há uma grande desconfiança de fraude, de crime, que será investigado pelas autoridades sanitárias." Outra hipótese, disse ele, é que tenha surgido uma nova cepa do vírus, que a vacina não conseguiu prevenir. Vezozzo contou que a proximidade com o Paraguai sempre foi motivo de preocupação, por tratar-se de fronteira seca. Mesmo distante ele disse ter ficado sabendo de boatos sobre um novo foco da doença em Japorã, também no Mato Grosso do Sul. Ele informou não ter calculado o valor do prejuízo com o sacrifício do gado, mas adiantou que pedirá indenização. A crise da aftosa desata temores em todos os setores da produção. Em 2004, quando foi registrado um foco em Careiro da Várzea (AM), a Rússia fechou as portas para toda a produção de grãos de outros estados por força de um acordo bilateral. A região sul de Mato Grosso do Sul é fonte de preocupação das autoridades sanitárias. A maior parte dos casos e de suspeitas de aftosa ocorreram na região - o último caso foi em Naviraí, em 1999. Mas em dezembro de 2004 o próprio governo estadual levantou suspeitas sobre 28 bovinos de uma fazenda em Paranhos, perto da fronteira com o Paraguai. O primeiro resultado deu positivo, mas novos testes derrubaram o diagnóstico. Mesmo assim, permaneceu a suspeita de que o caso foi abafado. A aftosa tem sido um dos principais entraves para a manutenção e a abertura de novos mercados às carnes brasileiras no exterior. De tão importante, o combate à doença entrou até mesmo na agenda do presidente Lula. Em outubro de 2004, durante reunião com colegas da América do Sul, no Rio, Lula pediu que cada país gastasse US$ 0,90 por cabeça para eliminar a aftosa do continente. De lá para cá, porém, o governo trocou os sinais e desidratou a área responsável por essas ações. (Colaborou Marli Lima, de Curitiba)