Título: Ex-banqueiro incomoda bancos
Autor: Raquel Balarin
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2005, Finanças, p. C1

Investimentos Ações questionam a mudança de indexador na entrada do Plano Real

Os tribunais estão abarrotados de ações judiciais movidas por clientes que se sentiram, de alguma forma, lesados pelos bancos e resolveram pedir indenizações. Mas, desta vez, é um ex-banqueiro quem está dando dor de cabeça aos bancos. Antônio José Carneiro, conhecido no mercado financeiro como Bode, é o autor dos mais polêmicos processos contra instituições financeiras e contra a Fazenda envolvendo o Plano Real. Em primeira instância, ele ganhou todas. Bode reclama na Justiça a diferença entre o IGP-M e o IGP-2, nos meses de julho e agosto de 1994. O IGP-M era o índice que corrigia Certificados de Depósito Interbancário (CDI) e as Notas do Tesouro Nacional (NTN) adquiridas pelo Multiplic, banco do qual Bode era controlador. O IGP-2 foi o índice utilizado pelo governo para atualizar monetariamente os contratos em julho e agosto, para evitar que a inflação em cruzeiros reais contaminasse os preços em reais. A diferença entre os dois índices, de cerca de 40%, chega a cifras bilionárias quando é aplicada aos valores da época e atualizada até hoje, mais de dez anos depois. Só na ação movida contra o Unibanco, o ex-banqueiro conseguiu que fossem depositados em juízo R$ 192 milhões, em dezembro de 2003. O banco perdeu em primeira e segunda instâncias, mas o processo está parado à espera do julgamento de uma ação rescisória no Tribunal de Justiça do Rio. "Essa é uma briga de tubarão contra baleia. Não tem peixinho", brinca o executivo de uma das instituições financeiras processadas por Bode. O ex-banqueiro é um dos homens mais ricos do país. Segundo apurou o Valor, o juiz chegou a autorizar a liberação do dinheiro, mas o banco mostrou que o patrimônio do que restou do Multiplic, hoje, é de cerca de um quarto do valor depositado. O juiz se convenceu de que, uma vez liberado, o dinheiro poderia não ser recuperado caso o Unibanco conseguisse reverter a decisão. O advogado Luiz Alfredo Taunay, presidente do Jockey Club do Rio e amigo pessoal de Bode, diz que o mérito, no caso do Unibanco, não está mais em discussão. "O processo já foi transitado em julgado. E em mais dois meses, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça deve analisar a ação rescisória movida pelo Unibanco", diz Taunay, que tem outras três ações do mesmo tipo movidas pelo ex-banqueiro contra bancos, entre eles Banespa (cerca de R$ 10 milhões) e o Norchem (não está mais em operação). Embora já tenha perdido em primeira e segunda instâncias, o Unibanco ainda tem chances de não ter de ressarcir o ex-controlador do Multiplic. Na rescisória, o banco discute não apenas o valor do ressarcimento, mas também a existência do direito de o Multiplic receber os recursos. "Um único juiz ou uma câmara não pode declarar que uma lei ou um artigo dela é inconstitucional. É uma decisão que precisa ser tomada pelo pleno ou pelo Órgão Especial", afirma Marcos Cavalcante de Oliveira, diretor jurídico do Unibanco. É possível ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue a ação movida pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras. Se os bancos ganharem, a decisão contra o Unibanco deve ser revertida por causa do efeito vinculante. O Multiplic comprou em 3 de janeiro um CDI de CR$ 12,5 bilhões, com vencimento em 3 de abril de 1995, com correção pelo IGP-M e juro de 24% ao ano. No vencimento, recebeu R$ 44,53 milhões só de principal (sem contar juro). O Unibanco informa que, em dólar, a aplicação rendeu 30,37%. Os advogados de Bode dizem que há um problema nessa comparação: o real teve forte valorização sobre o dólar após a entrada do real. O Unibanco tem outro cálculo. Na data da aplicação, o valor investido correspondia a 513.411 cestas básicas. No vencimento, equivaliam a 674.264 cestas. E o valor do determinado pela Justiça seria suficiente para comprar nada menos que 1,25 milhão de cestas básicas em dezembro de 2003, quando o Unibanco foi feito o depósito em juízo. A preocupação dos bancos é que as ações movidas por Bode têm feito escola. O BBA (hoje Itaú BBA) foi processado por uma empresa de Porto Alegre e já perdeu em primeira instância. Em outra ação, que corre em separado, também o Itaú está sendo processado. O Instituto Aerus, fundo de pensão dos funcionários da Varig, entrou nos últimos dois anos com ações contra o Banco Econômico (em liquidação extrajudicial), o BMG, a Icatu Holding, o Banerj e o Safra, questionando a utilização do IGP-2 em aplicações financeiras. O América Football Club, que vendeu um terreno para a construção de um shopping no Andaraí, no Rio, também ganhou uma ação em primeira instância contra a La Fonte, que recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A questão é uma bola de neve. Da mesma forma como aplicadores têm recorrido ao Judiciário para rever a correção de seus investimentos, o uso do IGP-2 tem sido questionado por detentores de títulos públicos.