Título: Os custos da fraude e da inadimplência
Autor: Andréa Seco e Fabio Makhoul
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"O direito à continuidade de serviço público essencial, não significa que não possa haver corte no fornecimento"

As fraudes praticadas pelos usuários de serviços públicos objetivando burlar o valor da contraprestação devida, aliado a crescente inadimplência de muitos, têm se tornado, não sem motivo, em um assunto polêmico e discutido reiteradamente inclusive no Poder Judiciário. A AES Eletropaulo estima que as fraudes provocam uma perda anual de 10% da energia elétrica que distribui a seus mais de 16 milhões de usuários regulares, sendo que só em 2003, a empresa perdeu do total da energia contratada, o equivalente a R$ 600 milhões, por conta de fraudes, o suficiente para iluminar por 20 dias uma cidade como Osasco, o quinto maior município do Estado de São Paulo. Vale lembrar que a fraude de energia implica também em sonegação de impostos, uma vez que quando a empresa é prejudicada no pagamento da contraprestação devida, os tributos sobre ele incidentes deixam de ser arrecadados gerando conseqüências danosas para toda sociedade que sofre, inclusive, com os reflexos do aumento de tarifa, que tem influência na sua formação, no percentual de energia elétrica perdida pelas concessionárias. Ainda no âmbito do interesse coletivo, vale lembrar que o furto de energia constitui-se em crime tipificado no artigo 155 do Código Penal, apenado com reclusão e multa. As perdas das concessionárias de serviços públicos com fraude e inadimplência obrigam as empresas a cada vez mais investirem pesadamente no combate a essas práticas gerando, como conseqüência, a chegada dessas questões ao Poder Judiciário. Tais conflitos de interesse vêm sendo de forma ampla e recorrente analisados pela Justiça que ainda vem adotando posição um pouco comodista e extremamente consumerista na análise das demandas ligadas, em especial, às fraudes detectadas e suas conseqüências, posicionando-se no sentido de que as empresas concessionárias, hoje nas mãos da iniciativa privada, sejam obrigadas a garantir a continuidade do fornecimento do serviço até o final da lide que se arrasta por vários anos impedindo, até mesmo, a regularização das instalações nos imóveis.

Vale lembrar que o furto de energia constitui-se em crime tipificado no no Código Penal, com reclusão e multa

Em que pese à combatividade perante o Poder Judiciário das concessionárias que tem a seu favor regramentos legais inerente a área em que atuam, em especial a Lei das Concessões n° 8.987/95, de âmbito federal, e normas regulatórias, como as exaradas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em específico a Resolução n° 456/00, que prevêem a legitimidade e legalidade da suspensão do fornecimento de energia elétrica por justo motivo, em especial pela fraude e pelo inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade, sem que tal atitude implique em exercício arbitrário de seus direitos ou violação ao princípio da continuidade do serviço, tais ditames muitas vezes são deixados de lado na análise das questões postas em juízo. Vale lembrar que o direito à continuidade de serviço público essencial, da forma como assegurado ao usuário no Código de Defesa do Consumidor e na Lei de Concessões, não significa que não possa haver corte no fornecimento. A continuidade aqui tem outro sentido, significando não só a disponibilização contínua do serviço ao usuário como que, em já havendo execução regular do serviço, a concessionária não pode interromper sua prestação, sem um motivo justo, como é o caso do inadimplemento e da fraude, na mesma esteira das excludentes de responsabilidade de força maior e caso fortuito, sendo, portanto, ato fundado e legal. O corte no fornecimento de energia elétrica, nada contém em seu bojo a natureza ou a finalidade de "cobrança", sendo que tal medida trata-se, em verdade, de manifestação da empresa em não continuar a prestar um serviço pelo qual não é devidamente remunerada, como é da essência e da natureza dos contratos bilaterais. Assim, se as perdas persistirem, sem o amparo do Poder Judiciário, forçosamente só haverá um resultado final, qual seja, repartir o prejuízo entre a população, por meio do aumento do preço da tarifa ou por mecanismos tributários a fim de se compensar as perdas sofridas, sem que isso signifique um privilégio para esta ou aquela concessionária. Como se não bastassem às fraudes, os furtos de fios e cabos e as ligações clandestinas as concessionárias ainda enfrentam uma grande inadimplência, que encontra no próprio poder público um de seus maiores representantes. Exemplo disso é a Prefeitura de São Paulo que, por si só, admitiu a existência de uma dívida no valor de R$ 606 milhões, acumulada desde 1996. A par destas conhecidas perdas, o que mais causa espanto é que a maioria dos delitos de furto de energia são cometidos por empresas ou por pessoas movidas pela velha mentalidade de que é possível se levar vantagem em tudo, condutas essas que de um modo ou de outro refletem em toda a sociedade que paga o preço final, ou melhor, arca com um serviço mais oneroso para todos em detrimento do enriquecimento ilícito de alguns.