Título: Governo tem folga para elevar gasto em 58%
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2005, Brasil, p. A3

Contas Públicas Aumentar despesa e investimento, até dezembro, não coloca em risco superávit de 4,25% do PIB

A economia do governo para pagar juros deve fechar o ano bem acima da meta oficial, de 4,25% do PIB, mesmo que haja um forte aumento de gastos públicos nos próximos meses. Ainda que, de setembro a dezembro, o ritmo mensal de despesas pagas de custeio aumente 58% e as despesas com investimento cresçam 12 vezes ante o registrado de janeiro a agosto, o superávit primário deve superar com folga o alvo, num cenário de forte expansão da receita. Para muitos analistas, o governo já trabalha, na prática, com uma meta próxima a 5% do PIB - nos 12 meses terminados em agosto, o superávit foi de 5,1% do PIB. Um dos problemas é que, como não a anuncia formalmente, o governo não se beneficia dos eventuais benefícios desse esforço fiscal, como uma queda mais forte dos juros. Números do Tesouro mostram que, de janeiro a agosto, as despesas pagas de custeio ficaram em R$ 4,169 bilhões ao mês. Para atingir o limite autorizado de R$ 59,692 bilhões, seria necessário aumentar esse ritmo para R$ 6,584 bilhões por mês nos últimos quatro meses de 2005 - 58% mais. No investimento, para cumprir o limite de R$ 13,191 bilhões (recentemente elevado para R$ 14,7 bilhões), o governo teria que gastar R$ 2,836 bilhões por mês, 12 vezes mais do que a média de janeiro a agosto. Para a assessora de política fiscal e orçamentária do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Selene Nunes, os números indicam que dificilmente o governo vai conseguir gastar tudo que está previsto. Ela lembra que o caso mais problemático é do investimento, pois essas despesas exigem uma programação mais rigorosa - ainda que de janeiro a agosto o governo tenha empenhado (ou seja, reservado os recursos) 44% do dinheiro previsto para esse fim. Segundo Selene, o conceito de despesas pagas é o mais indicado quando se analisa o impacto sobre o superávit primário, porque ele mede o efetivo desembolso dos recursos. Se fosse usado o conceito de liquidação de gastos (etapa que antecede o pagamento aos fornecedores), o desempenho seria apenas um pouco melhor. O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, ressalta o forte aumento da arrecadação registrado neste ano, fundamental para o resultado fiscal no ano. Segundo ele, a receita do governo federal, Estados e municípios cresceu 1,6% do PIB de janeiro a agosto, na comparação com o mesmo período do ano anterior. Montero fez algumas simulações que mostram o quanto seria possível gastar sem comprometer a meta de 4,25% do PIB, e os números indicam que a tarefa é "árdua". De acordo com ele, o setor público teria de despender, entre setembro e dezembro, R$ 20 bilhões a mais do que no mesmo período do ano passado, descontada a inflação, para reduzir o superávit primário dos atuais 5,1% para 4,25% do PIB. Esses cálculos pressupõem alta de 0,8% do PIB na receita nos últimos quatro meses do ano em relação a igual período de 2004 e um resultado das estatais um pouco pior, hipóteses conservadoras já que a arrecadação aumentou 1,6% de janeiro a agosto (em proporção do PIB) e o lucro da Petrobras deve ser maior até dezembro, devido ao reajuste dos combustíveis. Dos R$ 20 bilhões, Montero acredita que R$ 3,7 bilhões serão consumidos com aumento dos gastos com pessoal - de acordo com estimativas baseadas em números do Tesouro, -e outros R$ 5,4 bilhões da expansão de despesas da Previdência. Mesmo assim, sobram R$ 10,9 bilhões reais. Montero acredita que o superávit primário deve fechar o ano em 4,8% do PIB, um número robusto. Para o economista-chefe do Credit Suisse First Boston (CSFB), Nílson Teixeira, o superávit deve ficar em 4,6% do PIB - número idêntico ao de 2004. A previsão contempla um aumento de despesas do setor público de R$ 8,1 bilhões de setembro a dezembro ante o mesmo período de 2004, além do gasto de todo o crescimento de receita que ocorrer no período. A estratégia de fazer um superávit primário maior do que a meta, mas sem anunciá-lo formalmente, tem ônus para o governo, notam analistas como Montero. Para ele, esse "custo se mede em termos de maior conservadorismo do BC" na condução da política de juros. Como não há um anúncio oficial, a autoridade monetária levaria em conta que o superávit será de 4,25% do PIB, o que, se cumprido à risca, significaria um forte estímulo fiscal para a atividade econômica. Montero acha que isso ajuda a explicar a cautela excessiva do BC, que promoveu uma redução muito tímida da Selic no mês passado, de 19,75% para 19,5% ao ano, mesmo num cenário em que as perspectivas para a inflação são bastante positivas. Montero diz ainda que o resultado fiscal deste ano importa cada vez menos para decisões de política monetária, que têm impacto defasado sobre a economia. Para ele, um superávit de 4,25% do PIB é difícil de ser cumprido neste ano, mas é factível em 2006. Ele tem dúvidas se o governo, em ano eleitoral - quando enfrentará uma disputa que não será fácil como se pensava antes -, vai se comprometer com um esforço fiscal maior. Se isso ocorresse, de qualquer modo, Montero avalia que haveria mais espaço para a queda dos juros.