Título: Lula deve unir-se a aliados históricos em 2006, diz Campos
Autor: Maria Lúcia Delgado e Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2005, Especial, p. A12

Entrevista Tese do futuro presidente do PSB coloca seu próprio partido como o principal parceiro do PT

Conselho de amigo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a "boa receita" para a aliança eleitoral de 2006 é se fortalecer ao lado dos aliados históricos de esquerda para, somente depois, ampliar a composição - ao centro, de preferência. O amigo em questão é o deputado Eduardo Campos, 40 anos, que assume a presidência nacional do PSB em dezembro. Neto de Miguel Arraes, o pernambucano, que está no terceiro mandato, pode ser considerado hoje aliado estratégico de Lula no Congresso. Após uma passagem de 18 meses pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, ele agora se credencia como um dos principais articuladores políticos do governo. Em entrevista ao Valor, Eduardo Campos admite que o PSB só discutirá o apoio a uma eventual reeleição de Lula no início de 2006. Um debate, aliás, atrelado ao fim da verticalização, a regra imposta pela Justiça Eleitoral que obriga os partidos políticos a repetirem, nos Estados, a mesma aliança nacional. O apoio da esquerda a Lula, segundo ele, estaria condicionado a um programa de governo desenvolvimentista: "É preciso mais ousadia para que se tenha um ciclo de crescimento mais longo e mais arrojado". Num balanço sobre a gestão de Lula, diz que esse foi um governo "mais de movimentos táticos que de movimentos estratégicos". Eduardo Campos não crê em mudanças na legislação eleitoral ainda neste ano, muito menos aposta na votação da reforma política. Acha louvável que o Tribunal Superior Eleitoral tome a iniciativa de estabelecer regras mais rígidas para o próximo pleito, uma vez que não há mais tempo hábil para o Congresso efetuar as mudanças. Para o deputado, o tempo político das CPIs se esgotou. É preciso apresentar resultados fundamentados que correspondam à expectativa criada na sociedade, diz ele. Após ter exercido um papel preponderante na eleição de Aldo Rebelo, o deputado é categórico ao afirmar que o novo presidente da Câmara vai dar prosseguimento à análise dos processos de cassação de mandatos. Pressionado pelo PSB a disputar o governo de Pernambuco, Eduardo Campos prega a reedição de uma aliança histórica de esquerda no Estado. Ele aposta, ainda, num novo ciclo de crescimento em Pernambuco, mas nega que obras emblemáticas do governo Lula no Nordeste - como a Transnordestina e a transposição do São Francisco - tenham caráter eleitoreiro ou busquem substituir a ausência de uma política regional. Valor: O momento político aponta para uma aproximação do presidente Lula com aliados históricos. A eleição de Aldo Rebelo à presidência da Câmara já refletiu isso? Eduardo Campos: Acho que foi um momento de aglutinação do conjunto que historicamente tem mais afinidade, que lutou em vários momentos da vida brasileira nos últimos anos. Sem sombra de dúvida, a origem da candidatura de Aldo veio de três partidos que tiveram juntos nos últimos anos: PT, PSB e PCdoB. Depois foi preciso ter o apoio de outros partidos, como o PL, ainda no primeiro turno. E no segundo turno, além da base que o governo conquistou depois da vitória no primeiro turno - como PTB e PP, que declararam apoio -, tivemos uma participação fundamental na vitória que foi o PDT. E acho que esse apoio veio das histórias que travamos junto com o PDT ao longo de todos esses anos. Foi a vitória do bom senso. Valor: Qual a projeção de alianças do PSB para o plano nacional? Campos: O PSB se preparou - e Dr. Arraes vinha fazendo isso - como uma alternativa da esquerda, colocando a questão popular no centro. E com uma preocupação objetiva para que o nosso partido ultrapassasse a cláusula de barreira, como fizemos em 2002 e acreditamos que faremos em 2006. Para isso, o PSB vai, em alguns Estados, fazer as alianças possíveis. Em Minas Gerais, por exemplo, temos uma aliança com o PSDB. Valor: Essa consolidação partidária passaria por uma candidatura própria? Campos: Ainda não fizemos o debate sobre 2006. Decidimos permanecer na base de Lula e não debatemos a eleição presidencial. Portanto, não podemos excluir nenhuma possibilidade. Valor: Nem cravar que o PSB estará ao lado de Lula em 2006? Campos: Não. Temos a possibilidade de estar ao lado de Lula ou ter candidatura própria. Isso será discutido em 2006. Poderemos sim estar ao lado do presidente Lula. Isso deve passar por um debate muito franco, fraterno, porque uma candidatura à reeleição do presidente Lula tem que estar fundamentada num conjunto de propostas que faça avançar mais do que se pode fazer durante este governo. Foi um governo muito mais de movimentos táticos, de sobrevivência e de consolidação de uma mínima estabilidade que um governo de movimentos estratégicos que sempre nos uniram. Muita coisa foi feita, mas, agora, nós achamos que é preciso mais ousadia para que se tenha um ciclo de crescimento mais longo e mais arrojado. Temos um acúmulo de dívida social que a nosso ver não se responde apenas com as políticas compensatórias, mas principalmente com ciclo de crescimento. Uma candidatura de Lula à reeleição vai passar por esse debate com o conjunto da esquerda. Valor: A crise política serviu para mostrar que os aliados preferenciais de Lula devem ser os de esquerda? Ou ele deve buscar forças mais conservadoras? Campos: A boa receita é primeiro juntar seu campo político e depois fazer uma aliança numa posição de mais força e mais compromisso com o que você representa, já agrupado com gente que se aproxima de seu eixo de pensamento. Valor: A base de sustentação do governo será reeditada na eleição? Campos: Não necessariamente. A base que está ai foi uma aliança para governar, de um presidente que se elegeu com 54 milhões de votos. Não tinha maioria na Câmara, tinha 1/3 do Senado e precisava efetivamente ter uma base parlamentar que sustentasse seus projetos. Isso é tão evidente que no primeiro ano o governo só aprovou o que a oposição acordou ou concordou. Valor: O PMDB terá qual papel nessa aliança? Campos: Não sei. Vai depender muito das regras. Se for mantida a verticalização, esses grandes partidos terão uma enorme dificuldade de ter uma posição nacional. O PMDB tem realidades muito distintas nos Estados. Não queria falar do partido dos outros, mas não vejo nem como eles se unificarem em torno de uma candidatura própria. Valor: A verticalização afasta o PSB de um apoio oficial a Lula? Campos: Nos colocamos contra a verticalização. Estamos empenhados junto com outros partidos para que a verticalização caia para a eleição que vem. Valor: E se não cair? Campos: O partido viverá um intenso debate porque ai envolve isso com candidaturas próprias em governos de Estado, e com a cláusula de barreira. O debate ficará muito mais eleitoral que político. Valor: Aldo assumiu a presidência sob a desconfiança da pizza, do acordão. Campos: O tempo demonstrará com clareza o acerto da Câmara em eleger Aldo presidente. Aldo já demonstrou que terá disciplina e capacidade política para fazer com que a Casa volte a ter vida. Valor: As CPIs se esgotaram? Campos: Acho que a sociedade se cansou um pouco dessa pauta, mas as CPIs precisam efetivamente de foco, objetividade. A fase midiática passou. Agora tem que produzir, sob pena de ter gerado expectativa e ela não ser correspondida. Tem que haver a fundamentação das coisas, como a origem do dinheiro, a comprovação e evidências que permitam ao Ministério Público concluir etapas de investigação. O tempo político da CPI está se esgotando. Há um sentimento da rua de repulsa a qualquer pizza. Valor: Os processos de cassação devem ser tratados todos da mesma forma? Campos: Não se pode culpar uma pessoa pelo que o outro fez. Todos aqueles personagens estão num processo amplo de investigação. Não existe processo coletivo. Os processos são individualizados e as responsabilidades são individuais. Acho que quem investiga tem que ter a coragem de punir quem quer que seja e também tem que ter a coragem de inocentar quem ele não pode culpar. Esse é o risco do investigador. É preciso que as coisas sejam tratadas com equilíbrio, porque se hoje é com A, amanhã pode ser com B. Isso não quer dizer que quem quer que seja mereça qualquer tipo de proteção, mas as regras democráticas precisam ser respeitadas. Valor: O Congresso perdeu a oportunidade de tornar as próximas eleições mais baratas, com regras mais claras. O que ainda pode ser feito? Campos: Não há consenso entre os líderes partidários quanto à prorrogação do prazo para fazer mudanças na lei eleitoral. Seria um chute dizer o que pode ocorrer nesta matéria. Se o TSE tivesse meios constitucionais e legais para disciplinar a eleição de maneira a enxugar o processo de campanha, valorizando o conteúdo, seria medida aplaudida pela sociedade brasileira. Valor: E a reforma política continua, mais uma vez, aguardando um novo momento? Campos: Não há ainda o consenso necessário para uma votação sobre o conteúdo da reforma. Hoje, as chances são muito reduzidas para que haja mudança além da verticalização. Valor: PT, PCdoB e PSB e discutem projetos de interesse da esquerda e articulam uma recomposição congressual para mudar a política econômica. O sr. subscreve essa linha de pensamento e conduta? Campos: Acho importante que o campo progressista, numa aliança, tenha ação ativa e propositiva. O bom debate sobre uma pauta mais arrojada, mais ousada, é importante inclusive para que o presidente sinta essas forças cumprindo seu papel, que não é só de compreender as mediações, mas também de alavancar. Até porque os partidos não podem estar a reboque do governo. Os partidos devem estar puxando o governo para onde imaginam que o governo deve ir. Porque em regra os governos são muito mais conservadores que os partidos. Os partidos trabalham com sonhos, com perspectivas, com vontades. O governo trabalha com a realidade, com o cotidiano, com a dureza dos números. O PSB, quando apoiou Lula, conhecia o conteúdo da Carta ao Povo Brasileiro, até porque apresentou um programa distinto desse. O debate sobre política econômica é importante, mas deve ser feito nos foros apropriados. Valor: Como desatar o nó do ciclo vicioso inflação/juros? Campos: Acho que tem todo um dever de casa que está se fazendo, mas não tem resultado do dia para a noite. Não há uma solução única, voluntarista. É um processo para que amanhã possamos ter uma só taxa de juros compatível com as taxas das economias que disputam o mercado legal conosco têm. É preciso insistir, persistir e ousar em ações que permitam a queda. Valor: Insistir, por exemplo, num superávit de 6%, em metas de inflação de 5,1%? Campos: Não. Acho que superávit de 6% é algo insuportável, inaceitável para o país neste momento. Precisamos de investimento, menos gasto de custeio. Valor: O sr. vai ser candidato ao governo de Pernambuco? Campos: Há um ciclo político se findando e uma eleição que não tem nenhum nome natural, como tivemos, historicamente, desde 1982. É um quadro novo, onde o PSB tem papel importante. Nossa colocação tem sido de construir um projeto para o Estado na hora em que chegam investimentos como a refinaria, estaleiro de navios, a transposição, a Transnordestina. Acho que essa será a década de Pernambuco. A década de 70 foi da Bahia, nos anos 90 o Ceará ganhou importância, e acho que nesta década Pernambuco dará um salto. O PSB entende que deve juntar forças com PT, PCdoB, PTB local e outros setores que podem se deslocar da ampla aliança que o governador fez lá para se eleger e reeleger. Valor: Então é preponderante a aliança de esquerda? Campos: Historicamente a esquerda se reúne e amplia ao centro a aliança. É o caminho sempre trilhado, que na maioria das vezes teve êxito. Valor: O sr. menciona um novo ciclo econômico em Pernambuco e cita obras como a Transnordestina e a transposição do São Francisco. O presidente Lula aposta nessas duas grandes obras como algo emblemático em sua gestão. Não é uma forma de o governo encobrir falhas - ou ausência - de uma ampla política regional? Campos: Nos anos 50/60 o Nordeste viveu uma mobilização política importante. Foi um momento importante, em que se criou a Sudene, se consolidou o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs). O processo histórico desvirtuou essas instituições. A única política regional que restou foi o Nordeste fazendo guerra fiscal. Esse ciclo esgotou-se. O presidente Lula tentou fazer ressurgir a Sudam e Sudene. Na hora de votarmos a reforma tributária, em 2003, houve uma ação dos governadores de buscar recursos da Sudene. Mas isso não impediu que o governo pensasse um conjunto de ações importantes no Nordeste, como a duplicação da BR 101, a Transnordestina, a transposição do São Francisco, a refinaria, as duas siderúrgicas e o programa do biodiesel. Melhor seria se esse conjunto de ações ocorresse com a estrutura do planejamento refeita com a Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene). Mas é algo que ainda não pode ser viabilizado. Valor: A Transnordestina e a transposição são obras polêmicas, questionadas sob o ponto de vista ambiental, técnico e político. Em que medida não teriam um caráter eleitoreiro? Campos: A transposição, desde Pedro II, vem sendo discutida. Já rompeu muitas eleições de lá pra cá. Há, ao lado do programa de transposição, uma série de obras hídricas e ações que estão sendo feitas - desde a construção de um milhão de cisternas com ajuda privada a pequenos abastecimentos de água. A grande ação esperada é também a interligação com a bacia do Tocantins. É algo que vamos chegar lá. Mas temos que garantir a sustentabilidade hídrica do semi-árido mais povoado do mundo que é o nordestino. Valor: A eleição no Nordeste vai transcorrer em clima de disputa pela paternidade das obras, como a refinaria? Campos: Acho que isso é um equívoco, até porque os pernambucanos sabem que a luta pela refinaria vem de muito longe. Em 1996, quando a Petrobras começou a sinalizar a possibilidade de fazer parceira para construir nova refinaria, todos os Estados disputavam. Alguns fizeram a opção de ir para o mundo árabe, como o Ceará. Naquela oportunidade, o governo de Pernambuco optou pela Venezuela. Fui à Venezuela no início de 1996 a pedido do Dr. Arraes. Foi quando começou a aproximação de Pernambuco com a Petróleo de Venezuela S.A (PDVSA). A refinaria saiu por uma decisão do presidente Hugo Chávez, de fazer uma parceria com o Brasil, e do presidente Lula. Quem tentar contar uma história de herói nisso vai passar por Pinóquio.