Título: Ao longo da história, uma política que alterna violência e pragmatismo
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2005, Especial, p. A12

Com pouco mais de 27 mil quilômetros quadrados, ou 0,33% do território nacional e muito longe de ser um paradigma de boa gestão administrativa, Alagoas, ao longo da história brasileira, obteve um destaque político sem rivais para um Estado periférico. No período imperial, em que a região Nordeste conseguiu mais espaço junto à Coroa que os fazendeiros de São Paulo e Minas, ficou atrás apenas de Bahia e Pernambuco. Na República, com três presidentes, só é superada por São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul. Boa capacidade de articulação política e pragmatismo são as marcas, pelo menos, da geração recente. Professor de História na Universidade Federal de Alagoas, Douglas Apratto Tenório arrisca uma explicação: durante o ciclo da cana-de-açúcar, Alagoas povoou-se de engenhos e viveu uma escassa urbanização. Fronteira entre Pernambuco e Bahia, estas circunstâncias levaram o Estado a ser descentralizado politicamente, sem que uma oligarquia se impusesse sobre as demais. Até hoje a cana é a marca do Estado: 57 dos 102 municípios, inclusive a capital, Maceió, a cultivam. Ao mesmo tempo em que alimentaram episódios de banditismo político, tais circunstâncias levaram a um permanente jogo de composição para erguer os arranjos de poder, de forma que a polarização ideológica por vezes valeu menos que laços de amizade e relações familiares. "Na política, fica entre Minas e a Sicília", diz o pesquisador. O próprio Tenório lembra que Alagoas não é o único Estado periférico nordestino com estas características. A Paraíba teve desenvolvimento semelhante e algum destaque no plano nacional no período republicano. Mas, a diferença é marcante do ponto de vista econômico. Alagoas chegou a suplantar Pernambuco como maior produtora de açúcar do Nordeste e tem a menor porcentagem nordestina de território no semi-árido. "A cana aqui gerou um excedente de dinheiro que ajudou a formar uma elite influente na capital federal", sugere o ex-deputado comunista Eduardo Bonfim (PCdoB-AL), secretário estadual de Cultura. O lado "mineiro" de Alagoas é ressaltado pelos políticos que são protagonistas no cenário local. "Em Alagoas, o material mais abundante que existe são amigos em comum. Aqui é uma grande tribo. Sou inimigo político do governador, mas nossas mães são primas", exemplifica o pefelista José Thomaz Nonô, referindo-se ao governador Ronaldo Lessa (PDT). As mães de ambos ainda são primas de um ex-governador, o pefelista Guilherme Palmeira, que introduziu Fernando Collor na política, ao nomeá-lo prefeito de Maceió. Um dos irmãos de Palmeira é o ex-deputado e líder estudantil Vladimir Palmeira, uma das maiores lideranças radicais do PT fluminense. "Aqui em Alagoas a polarização partidária nunca existiu como em Pernambuco, por exemplo. A convivência é diferente. Ajudei o Nonô a se eleger deputado, apoiei Heloísa Helena na eleição à Prefeitura de Maceió em 1996, ganhei meu primeiro mandato com apoio da militância do PCdoB. Em Alagoas, ninguém se espanta", disse o presidente do Senado, Renan Calheiros, aliado do ex-presidente Collor em 1986 e inimigo dele na eleição seguinte. Os lados opostos no Estado conversam, ainda que não se misturem. Lessa surgiu no cenário estadual ao rejeitar a adesão do PMDB a Collor e Heloísa Helena se afastou de Alagoas ao não aceitar ceder espaço em sua chapa como governadora para políticos do PL. Os episódios de violência política são abundantes. "Aqui se mescla a elegância com a truculência nas relações políticas", disse Bonfim. Esta capacidade de articulação entre contrários funciona, sobretudo, quando se trata de ganhar espaço para a classe política do Estado no plano nacional. Apratto Tenório lembra uma antiga história do Império. Ao ter a capital transferida da atual cidade de Marechal Deodoro para Maceió, Alagoas mergulhou entre 1842 e 1844 numa insurreição civil entre os conservadores, ou "cabeludos", liderados pelo Visconde do Sinimbu, e liberais, ou "lisos", comandados por Manoel da Fonseca (pai de Deodoro) e José Tavares Bastos. Os "cabeludos" ganharam. Anos mais tarde, Sinimbu tornou-se presidente do Conselho de Ministros, o equivalente a primeiro-ministro, no reinado de Pedro II. Incentivou a carreira do jurista Tavares Bastos, filho de seu antigo inimigo político. O jurista é o pai da teoria federalista brasileira e pontificou no campo liberal. Havia, assim, alagoanos ilustres, tanto na cúpula de um partido, como na de outro, no regime bipartidário do Império. A falta de polarização ideológica, impulsionando a participação da classe política local em Brasília, pode ser vista nos anos recentes. Usineiro, dono de jornais e senador pela Arena, Teotônio Vilella, pai, teve participação essencial no processo de abertura, ao romper com o regime militar e liderar uma campanha pela anistia de presos políticos. Um dos cinco arenistas que sobreviveram à derrota governista nas eleições para o Senado em 1974, Teotônio, morto em 1983, é considerado um herói da redemocratização. Entre a esquerda e a direita, Teotônio tornou-se uma espécie de patrono para quase toda a geração atual de políticos alagoanos. Os seus votos diretos foram para seu filho, o senador tucano Teotônio Vilella Filho (AL). O hoje pefelista José Thomaz Nonô era seu advogado. O comunista Aldo Rebelo, a quem ajudou a custear os estudos, é filho de um funcionário de suas fazendas. O pedetista Ronaldo Lessa, a quem protegeu de perseguição durante o regime militar, era amigo de outro filho, José Aprígio. Fora do guarda-chuva de Teotônio ficaram dois extremos, o ex-presidente Fernando Collor e a senadora Heloísa Helena (P-SOL). O próprio Collor, segundo Eduardo Bonfim, ascendeu politicamente enquanto conseguiu manter seu discurso político na dubiedade: "Ele ganhou a eleição para o governo estadual em 1986 enfrentando uma candidatura de usineiros, a de Guilherme Palmeira, o mesmo que o lançou na política. Depois ganhou a Presidência discursando contra as elites. Jamais foi vitorioso apresentando-se como de direita". (CF)