Título: "República de Alagoas" ganha 3ª versão
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2005, Especial, p. A12
Eleições Sucessão presidencial de 2006 resgata influência de alagoanos no cenário político nacional
Pela terceira vez na história republicana, a classe política alagoana é protagonista no cenário nacional. Depois dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, que iniciaram a República, e do governo Fernando Collor de Mello, agora mais uma safra de alagoanos irá influir na sucessão de 2006. Radicado em São Paulo, mas tão ligado à origem que cogitou a transferência de seu título eleitoral para o Estado natal este ano, o novo presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), alagoano de Viçosa, irá trabalhar para ampliar a aliança em torno da reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O alvo principal é capturar o PMDB. Terá como aliado na empreitada o alagoano de Murici e presidente do Senado, Renan Calheiros (AL). Unidos, impediram, por apenas quinze votos, que outro alagoano, o deputado José Thomaz Nonô (PFL), nascido em Maceió, se tornasse a pedra fundamental da nova aliança oposicionista entre tucanos e pefelistas em 2006. Se Nonô ganhasse, teria como objetivo manifesto colaborar para a formação de uma frente anti-Lula. Perdendo, contabiliza resultados positivos. "Minha candidatura serviu para descongestionar a relação, já que o PSDB nos apoiou explicitamente, o que não aconteceu no início do ano. Deixei uma porta aberta para conversas", afirmou. No começo de 2005, o PFL impôs uma derrota ao governador paulista Geraldo Alckmin na Assembléia Legislativa. Os tucanos, por sua vez, não apoiaram a candidatura do pefelista José Carlos Aleluia à presidência da Câmara. No primeiro turno da votação, houve um rigoroso empate. O elemento decisivo para a vitória de Aldo veio novamente pela ação de Alagoas sobre os votos do PDT, que no primeiro turno votou no pedetista gaúcho Alceu Collares. Os votos de Collares foram para Aldo, graças à cabala feita pelo governador alagoano Ronaldo Lessa (PDT), que se transferiu por 24 horas para Brasília para participar da articulação. Collares teve no primeiro turno 18 votos. "A condição de oposição não podia levar o PDT a votar em uma pessoa que reaglutinaria tucanos e pefelistas. É uma questão de foco ideológico", justifica o governador. O governador trocou o PSB pelo PDT com a missão de tentar aproximar a sigla do Palácio do Planalto. Não conseguiu. Lessa já admite que o partido, de fato, não irá apoiar Lula à Presidência. Mas no front alagoano, engendra uma idéia que, concretizada, mexe na sucessão presidencial e ajuda o presidente a tentar um novo mandato. O governador procura atrair a senadora Heloísa Helena (Psol), alagoana de Pão de Açúcar, para a sucessão estadual. Como candidata presidencial pela extrema esquerda, Heloísa acaba de receber a adesão de uma leva de petistas insatisfeitos com o rumo do partido. Se for candidata com apoio de Lessa em Alagoas, deixaria o eleitorado de esquerda com a opção de uma única candidatura, a de Lula. É o momento em que a província parece falar mais alto. A tomada do palácio do governo em Maceió já rondou Aldo Rebelo e agora permanece nas preocupações de Heloísa Helena e Renan. A senadora não esconde o que gostaria de fazer: "Preferia ser candidata em Alagoas", afirma, taxativa. Caso contrário, disputará a Presidência já sabendo das conseqüências da atitude. "Não podemos ficar em 2006 estatelados diante do jogo neoliberal do PT e do PSDB. Faz parte da nossa tradição alguém ir para o sacrifício para outros manterem a trincheira da luta. Se eu não vencer, vou deixar o salário de senadora pelo de professora universitária em Alagoas, uma decisão que afeta minha família, mas paciência". A senadora acredita que o compromisso primeiro de Lessa é com Renan Calheiros. Renan diz que abdicará de um papel central na sucessão presidencial em 2006 para se dedicar à candidatura ao governo estadual, ante a incredulidade total de seus aliados e adversários. "Para eu ser um elemento decisivo no cenário nacional, ainda dependo de circunstâncias. É algo que não está posto", diz Renan procurando demonstrar indecisão. A reviravolta que colocou Aldo Rebelo na presidência da Câmara sepultou a possibilidade de o deputado comunista reestrear na política local. "Houve um convite do Lessa, acredito que com a concordância do Lula e a simpatia de Renan, para sua candidatura (de Aldo) ao governo estadual. Mas isso é passado", diz o secretário estadual de Cultura alagoano, Eduardo Bonfim, membro do Comitê Central do PCdoB. A repercussão da vitória de Aldo em Alagoas ficou restrita à elite local. Quem comprou jornais em Maceió na primeira terça-feira deste mês deparou-se com um anúncio de página inteira da conservadora Associação dos Municípios Alagoanos (AMA), parabenizando o comunista e deputado federal por São Paulo, Aldo Rebelo, por sua vitória na eleição para a presidência da Câmara. Há 25 anos distante de Alagoas, Aldo só esteve recentemente no Estado natal em compromissos oficiais. Ano passado, seu maior empenho pessoal em uma eleição local foi para colocar o ex-jogador Adhemir da Guia, palmeirense como ele, na Câmara Municipal paulistana, pelo PCdoB. Ainda assim, foi saudado pela AMA como "filho das Alagoas", mesmo tendo derrotado outro alagoano, José Thomaz Nonô, com seis mandatos obtidos no Estado. A elite política alagoana exalta a vitória de Aldo como um fator que eleva a auto-estima do Estado e de si própria. O comunista foi citado como "glória nacional" em uma matéria do jornal "Tribuna de Alagoas". Mas, nas ruas, a disputa em Brasília estava longe de ser um assunto debatido com vigor. Outros temas ganhavam muito mais atenção, como a sucessão local, onde o tempero principal é a decisão do Tribunal Regional Eleitoral que tornou o governador Ronaldo Lessa (PDT) inelegível por três anos, a transposição do rio São Francisco, aquecida pela greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Cappio, o fracasso dos clubes de futebol alagoanos em subir para segunda divisão do campeonato brasileiro, e, acima de tudo, a mudança geral das mãos nas ruas em um bairro central de Maceió, que transformou o trânsito da cidade em caos absoluto. Quatro motoristas de táxi, um vendedor de coco em um quiosque na orla de Maceió e duas vendedoras de artesanato foram perguntados sobre quem era Aldo Rebelo. Apenas um, o motorista Misael Neto, soube responder. Disse que era um amigo de Renan Calheiros e do governo, que foi eleito presidente da Câmara no lugar de Severino Cavalcanti, e que "saiu de Maceió há muito tempo, como o Zagallo e o Djavan", citando o técnico de futebol e o cantor, que só se tornaram célebres distantes da terra natal.