Título: PepsiCo muda de cara no Brasil e ganha importância no grupo
Autor: Christiane Martinez
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2005, Empresas &, p. B1

Alimentos Receita alcança R$ 2 bilhões e nova fábrica será inaugurada em novembro

O suíço Oliver Weber chegou da Venezuela há dois anos para comandar uma profunda reestruturação na PepsiCo do Brasil. Apesar da designação da matriz para cuidar do principal negócio do grupo no país, o trabalho de Weber passa longe da linha de refrigerantes da multinacional americana. A Pepsi-Cola sempre foi sinônimo de refrigerantes. Mas, ao contrário do que ocorre no país de origem, no Brasil a divisão de alimentos, com faturamento de R$ 2 bilhões, é disparado a operação mais importante do grupo. Nessa divisão, estão marcas e produtos conhecidos dos brasileiros: Elma Chips, Toddy, Quaker e Coqueiro. É nessa área, batizada de PepsiCo Brasil, que a virada tem sido silenciosa e discreta, mas visível nas prateleiras do varejo. Marcas fortes e consolidadas, como Toddynho, passaram a batizar extensa linha produtos. Negócios deficitários ou com participação marginal, como as balas Alegro - que são sucesso no México - e a linha de ovos de Páscoa Toddy, simplesmente deixaram de existir. "Se não dá para ganhar dinheiro, melhor fechar", diz. A primeira e mais exaustiva missão de Weber foi tirar a Elma Chips da estagnação de vendas. Algo que vinha ocorrendo desde a primeira desvalorização do real, em 1999. "Passamos anos difíceis e com lucro baixo", diz ele, arranhando um sotaque suíço-espanhol, característica de quem está há 11 anos trabalhando em diferentes países da América Latina. A Elma Chips, resultado da fusão da American Potato Chips e da Elma Produtos Alimentícios, em 1974, responde por metade do faturamento da PepsiCo no Brasil. "Tínhamos que reagir." Mesmo tendo metade de um mercado que movimenta R$ 900 milhões por ano, a Elma Chips enfrentou uma série de problemas, especialmente a queda de vendas. O seu maior adversário, na opinião de Weber, foi a falta de hábito do brasileiro de consumir o produto em larga escala. "Aqui, o consumo per capita é de um quilo de salgadinho por ano e esse quadro permanece inalterado há pelo menos quatro anos", diz ele, com a experiência de quem tocou a operação de salgadinhos na Venezuela, República Dominicana e no México. No México, o consumo per capita é superior a três quilos por ano, e na Venezuela, de dois quilos por ano. A Elma Chips também sofreu um revés com a onda de alimentos saudáveis. Há uma ofensiva mundial contra a indústria de refrigerantes e de alimentos considerados não saudáveis por conta da obesidade , sobretudo infantil. No Brasil, já houve até mesmo a proibição da venda desse tipo de produto em escolas de algumas cidades, como no Rio de Janeiro. A alternativa para driblar o problema foi entender o cliente brasileiro e fazer produtos que seduzam os adultos. "Passamos mais de um ano fazendo pesquisas, inclusive morando na casa de alguns consumidores", diz. Tantos estudos, por meio dos quais descobriu-se que o brasileiro se preocupa em manter a forma, não gosta de biscoitos excessivamente temperados e nem de sujar as mãos para comê-los, resultaram no mais ambicioso lançamento da empresa na última década: a batata frita "Sensações". Mais fininha, menos gordurosa e com um leve toque de azeite de oliva (bem mais saudável que o óleo de soja), a batatinha pareceu mais apetitosa ao paladar dos brasileiros. Foram R$ 20 milhões em investimentos, aplicados em pesquisa, desenvolvimento e tecnologia que informatizou com computadores de mão toda a equipe de vendedores. Depois disso, veio a feliz notícia de que as vendas voltaram a subir, segundo Weber. Para estrear no mercado, a Kraft Foods optou por ser ainda mais politicamente saudável e acaba de lançar o Bits Chipits, que são assados e não fritos. A companhia levou mais de um ano em sua elaboração e importou tecnologia da matriz, apesar de adaptar o produto ao paladar dos brasileiros. A Fritex, da Bauducco, mudou toda a sua identidade visual para tentar melhorar o seu posicionamento. Mas, por enquanto, a batata Sensações tem tido o melhor desempenho. Elaborada com batatas de polpa branca, cultivadas por um "pool" de produtores rurais - a quem a PepsiCo fornece as sementes e de quem se compromete a comprar toda a plantação - a "Sensações" conseguiu apagar o fracasso de vendas da batata "Lays", marca mundial que a PepsiCo tentou emplacar no Brasil no fim da década de 90. A aposta na "Sensações" foi tanta que a companhia americana reuniu no ano passado seus quase três mil vendedores no parque aquático Hopi Hari, em São Paulo, apenas para apresentar a estratégia de vendas. "Foi uma inovação", empolga-se Weber, durante a conversa que teve com o Valor, num fim de tarde da semana passada, na sede da companhia, em São Paulo. Sem gravatas e confortavelmente vestido, o executivo - que escapa do escritório na hora do almoço para fazer cooper - falou um pouco de seus planos para a PepsiCo e não escondeu o descontentamento em saber que um dos seus maiores clientes, o Pão de Açúcar, colocou recentemente no mercado uma "Sensações" de marca própria. A embalagem dos dois produtos são idênticas, a diferença é que a batata da rede varejista, produzida por terceiros, custa bem menos. "Temos 800 competidores diferentes, mas não com a nossa qualidade", comentou. De volta à trilha de vendas, a PepsiCo decidiu investir perto de R$ 20 milhões na construção de uma nova fábrica em Pernambuco, a nona no país, e com inauguração prevista para novembro. "Com a nova unidade, podermos voltar a distribuir com força no Nordeste", diz. Na região, os salgadinhos Elma Chips tiveram espaço encolhido nas prateleiras simplesmente porque a logística era inviável e ficava caro levar os produtos da fábrica de Itu para abastecer os estados do Nordeste. "Começamos a perder dinheiro porque, para compensar os custos de transportes, tínhamos de ter preços maiores naquele mercado." Salgadinhos também são produzidos em Curitiba e em Sete Lagoas (MG). Oliver Weber deu tanta importância para a Elma Chips que a área de salgadinhos passou a ter uma estrutura de negócios separada das demais operações de alimentos. Aliás, Toddynho, Toddy, Coqueiro e Quaker, que respondem pela outra metade do faturamento da PepsiCo, têm a área de marketing separada da Elma Chips, embora todo o negócio funcione em um mesmo escritório e fique sob o comando de Weber. Já a área de bebidas, que reúne os refrigerantes Pepsi, o energético Gatorade, e os chás Lipton e Ice Tea, cuja fábrica fica em Manaus, é completamente dissociada da PepsiCo. Para a operação de bebidas, o presidente é o executivo Vasco Luce, que fica em uma unidade de negócios dentro da cervejaria AmBev, responsável por engarrafar seus refrigerantes e distribuir as demais marcas. Antes da AmBev, o parceiro da Pepsi-Cola no Brasil era a Baesa, com quem a empresa enfrentou um período de turbulências. A Pepsi-Cola está no Brasil desde 1953 e ainda não conseguiu emplacar. Sua participação de mercado não chega a 10%, enquanto a Coca-Cola reina absoluta com mais da metade do mercado nacional de refrigerantes. A PepsiCo passou outra fase ruim no Brasil com a estréia mal sucedida da divisão de restaurantes, com as bandeiras Pizza Hut e KFC. A empresa saiu mundialmente do negócio de restaurantes. Weber foi importado para o Brasil com a missão de executar mudanças e corrigir uma sucessão de erros de seu antecessor, David Palfenier, que hoje não faz mais parte do grupo. Ao mesmo tempo em que reestruturava a Elma Chips, Weber tentava implementar uma série de mudanças nos outros negócios. A sua estratégia apoiou-se na área de marketing que ele cindiu em duas, uma apenas para executar e outra só para criar. Da criação, saiu a nova PepsiCo. "Percebemos que o consumidor queria inovação e partimos para isso", diz. O Toddynho, que era vendido há 25 anos em uma caixinha marrom, pronto para o consumo, ganhou novos sabores - brigadeiro, napolitano e doce de leite. A família aumentou ainda mais e o mesmo produto também virou bolinho e sobremesa cremosa pronta para o consumo. O achocolatado Toddy, eterno rival do veterano e líder Nescau, produzido pela Nestlé, igualmente ganhou sabores - como floresta negra e coco. Mas a grande sacada foi a versão light que, segundo fontes do setor, ficou com gostou semelhante ao do Nescau. Em três anos, o Toddy aumentou em oito pontos percentuais sua participação de mercado, agora em torno de 20%, segundo a Nielsen. O Nescau ainda tem o dobro. "Esse é um mercado de crescimento vegetativo e onde o jogo é bem mais competitivo." Algo bem diferente da situação confortável do negócio de sardinhas e atum, sob o guarda-chuva da marca Coqueiro, dona de 50% de um mercado que movimenta R$ 450 milhões por ano. "É uma operação estável e que tem 40% de suas vendas concentradas perto da Quaresma", diz. Aos 42 anos, Weber está próximo de concluir a reestruturação da área de alimentos. Antes, porém, planeja colocar em execução um novo projeto: reformular a operação de aveia, sob a marca da centenária Quaker, que o grupo adquiriu mundialmente em 2001. Aveia e cereais são o único negócio global da Quaker. Apenas no Brasil, a empresa herdou as marcas Toddy, Coqueiro e Gatorade. E, depois que finalizar essa missão, será hora de deixar o país? "Não, não. Ainda há muito o que fazer por aqui", despista, jurando que ainda não começou a preparar o sucessor.