Título: Rondonópolis encara velhos fantasmas
Autor: Fernando Lopes
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2005, Agronegócios, p. B10
Safra 2005/06 Com fluxo de caixa comprometido como há muito não se via, produtores ainda esperam socorro
Quem se lembra da euforia que dominou Rondonópolis antes do plantio das últimas safras de grãos não reconhece a cidade nesses dias que antecedem a largada para a temporada 2005/06. Epicentro de um dos principais pólos de produção de soja e algodão do país, a cidade mato-grossense transpira desânimo no calor de mais de 30º C que marca esta época do ano, aliviado por polpudas pancadas de chuva. O clima, diga-se de passagem, favorece o plantio. Boa notícia, uma vez que, no Mato Grosso, a região foi uma das poucas a amargar problemas com a falta de chuvas durante a colheita no ciclo 2004/05. Não se vê, como no passado, produtor ajoelhado na beira de estradas pedindo água para as plantações. A reza hoje é outra, já que a prevista quebra de safra virá de problemas financeiros, não climáticos. É a crise de liquidez. Por conta de fatores estruturais e conjunturais, as previsões apontam para uma queda entre 8% e 10% na área de grãos do Mato Grosso em 2005/06. Para a produção de soja, agricultores reunidos na Aprosoja-MT e na Famato prevêem queda de 10% em relação às 17,5 milhões de toneladas colhidas no ciclo passado. Na região de Rondonópolis, pelos problemas climáticos de 2004/05, a Aprosoja-MT estima quedas maiores para a área e para o volume. Na cidade, o quadro vem sendo exaustivamente discutido nos últimos meses em reuniões às segundas-feiras com representantes da Aprosoja-MT e da Comissão de Agricultura do Sindicato Rural de Rondonópolis. No último dia 7, o Valor participou de um desses encontros, com cerca de 20 produtores. No auge das negociações em Brasília para a rolagem de dívidas, que geraram o "tratoraço", o número chegou a 200. O pólo de Rondonópolis abrange, além da própria cidade, os municípios de Alto Araguaia, Alto Garças, Alto Taquari, Dom Aquino, Guiratinga, Itiquira, Jaciara, Juscimeira, Pedra Preta, Poxoreo, Primavera do Leste. Santo Antonio do Levenger, Tesouro e Torixoreu. Juntos, e com destaque para Primavera do Leste, respondem por mais de 15% da produção mato-grossense de soja - que representa 35% do total nacional. "Com os problemas estruturais que enfrentamos no cerrado, estamos plantando no escuro. A sensação que temos é que está tudo errado, e que precisamos mais de um planejamento de longo prazo do que de um Plano de Safra nos moldes do que o Ministério da Agricultura oferece", reclamou um produtor na reunião do último dia 7. Os principais "problemas estruturais" em discussão estão ligados às longas distâncias para escoar a produção - sobretudo as cargas destinadas à exportação - e ao impacto das oscilações cambiais em razão do perfil de financiamento na região. Diferentemente do que acontece no Sul - onde o setor se organiza com base em produtores menores que tomam mais recursos de crédito rural com juros controlados -, no Centro-Oeste, onde as propriedades são de grande porte, as principais fontes de financiamento do plantio são tradings, indústrias de insumos e recursos próprios dos fazendeiros. "No Mato Grosso temos o maior custo com transporte do país. Os fretes e o óleo diesel são em real, e nossa receita em real diminuiu por conta do câmbio. Só com o aumento do frete estamos perdendo quase US$ 1 por saca [de 60 quilos]", diz Ricardo Tomczyk, diretor da Aprosoja-MT. Segundo a entidade, o frete de Rondonópolis ao porto de Paranaguá (PR) costumava sair por US$ 40 a tonelada, e hoje está em US$ 60. "No último ano, o litro do diesel subiu de 35 centavos de dólar para 90", diz. Em contrapartida, os preços da soja despencaram por conta do tombo no mercado internacional - este ligado à maior oferta americana. Em maio de 2004, auge do período de vacas gordas, a saca chegou a ser negociada por US$ 16,20 (R$ 49,80 no câmbio da época) em Rondonópolis. Na última sexta-feira, saiu por US$ 10,90 (R$ 24,50), conforme dados da Agência Rural. Mas os produtores do pólo de Rondonópolis admitem que também têm responsabilidade pelos problemas de fluxo de caixa que encaram para plantar a safra 2005/06. "Depois da crise que levou à securitização das dívidas em meados da década de 1990, passamos a acreditar que nunca mais passaríamos por um problema de liquidez semelhante", reconheceu um dos participantes da reunião do dia 7 na cidade. As consequências vieram a partir de 2000, quando o governo lançou o programa Moderfrota para financiar, com juros subsidiados, a renovação da frota brasileira de tratores de colheitadeiras. Em estudo que revela os problemas de fluxo de caixa dos sojicultores do Mato Grosso, a consultoria Agrosecurity mostra que, entre 2000 e 2004, foram captados no Mato Grosso mais de R$ 2,2 bilhões em recursos do Moderfrota, além de quase R$ 270 milhões em recursos do Moderagro, outro programa oficial para investimentos em correção de solo e pastagens. Sobretudo a partir de 2002, quando a combinação favorável de preços de soja e câmbio começou a elevar as margens de lucro - que nos bons tempos chegou a superar 100% em alguns casos -, muitos produtores investiram, inclusive em expansão de área, sem pensar que as margens poderiam voltar ao vermelho, como aconteceu em 2004/05 em algumas áreas do sul do Mato Grosso. O mesmo raciocínio vale para os gastos pessoais dos produtores. O problema, dizem, é que agora tudo é dívida e tudo afeta o fluxo de caixa, a ponto de a inadimplência na compra de sementes para 2005/06 estar perto de 100% em Rondonópolis. E, como não há perspectivas de recuperação de preços ou dólar em 2006, como apontou a Agrosecurity, a situação tende a piorar para o ciclo 2006/07. Com isso, os produtores esperam por medidas emergenciais do governo, uma vez que, segundo eles, as renegociações de dívidas aliviaram pouco a situação. Mesmo os R$ 3 bilhões do FAT, que podem ser sacados com o aval de indústrias de insumos, não estão saindo porque as empresas não estão dispostas a avalizar, confirmou Rogério Salles, ex-presidente da Aprosoja-MT. A crise preocupa também o Grupo André Maggi, maior produtor individual de soja do mundo e pertencente à família do governador do Estado, Blairo Maggi. Conforme o presidente do grupo, Pedro Jacyr Bonjiolo, concorda que o problema é sério, principalmente por conta da alta de custos, inclusive de mão-de-obra, que comprometem rentabilidade. Mas lembra que, entre outras precauções, é preciso investir mais em gestão financeira e em hedge. Ele diz que o Maggi manterá em 190 mil hectares sua área plantada com soja, milho e algodão em 2005/06, e que o faturamento deste ano deve se manter em US$ 750 milhões.