Título: Brasil termina de pagar credores do Clube de Paris no fim de 2006
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2005, Finanças, p. C2
O Tesouro Nacional irá quitar em dezembro de 2006 a última parcela da dívida renegociada com o Clube de Paris, instituição que reúne credores oficiais. Em três parcelas semestrais, serão pagos US$ 2,491 bilhões, colocando fim ao um período de 24 de anos de relação nem sempre amistosa com o organismo. Os recursos para honrar os pagamentos estão praticamente garantidos. O Tesouro já comprou no mercado de câmbio moeda estrangeira para quitar todos os compromissos da dívida externa que vencem neste ano, incluindo o pagamento ao Clube de Paris previsto para dezembro, no valor de US$ 632 milhões. Também adquiriu US$ 4 bilhões em mercado para pagar compromissos que vencem em 2006 - cifra que cobre as duas últimas parcelas ao organismo, em junho e dezembro, no valor de US$ 1,859 bilhão. "Esses pagamentos deixam para trás algumas das ultimas lembranças da crise da dívida externa de 1982", afirma o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, que em 1988 chefiou uma das muitas tentativas de negociação com o Clube de Paris. "É mais um passo para que o país atinja o 'investment grade'." Os 24 anos de relação com o Clube de Paris se dividem em dois grandes períodos. O primeiro, entre 1983 e 1992, foi marcado por várias tentativas de renegociação, tendo como pano de fundo a moratória mexicana (1982), os altos juros americanos do período Paul Volcker à frente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e uma postura de confronto com organismos multilaterais assumida pelo governo José Sarney. Uma das exigências do Clube de Paris para negociar era que o devedor tivesse programa com o Fundo Monetário Internacional (FMI). "Havia no governo Sarney uma postura equivocada de que negociar com o FMI significava perda de soberania", diz Mailson. "Na época, não consegui mudar essa posição do governo, que custou uma enormidade ao Brasil." A segunda fase nas relações com o Clube de Paris começa em 1992, quando a delegação chefiada pelo então presidente do BC, Francisco Gros, renegocia uma dívida total de US$ 12,8 bilhões, com pagamento em 14 anos. O acordo foi possível - e religiosamente cumprido - graças a um contexto mais favorável: juros mais baixos nos Estados Unidos ampliaram a liquidez nos mercados internacionais; foi criado o Plano Brady para resgatar países que afundaram na crise da dívida dos anos 80; e o governo Collor tinha interesse em retomar os laços com a comunidade financeira internacional. "Em 1992, o Brasil ficou na curiosa situação de se sentar nas negociações do Clube de Paris tanto como credor quanto como devedor", lembra o então chefe do Departamento da Dívida Externa do BC (Dediv), Sérgio Ruffoni. "De um lado, renegociava a sua própria dívida; e, de outro, era um dos credores da Polônia." O Clube de Paris é um organismo informal - sem personalidade jurídica - criado no pós-guerra para reunir credores oficiais. Leva o nome de Clube de Paris porque é nessa cidade em que tradicionalmente ocorrem as negociações, patrocinadas pelo Tesouro francês. O organismo procura recuperar principalmente créditos a exportação fornecidos diretamente ou garantido por governos, sobretudo de países desenvolvidos. O Brasil ganhou momentaneamente assento ao lado de países ricos porque, na década de 80, adotou uma política de financiar agressivamente suas exportações, tornando-se um credor relativamente importante de países africanos, do Oriente Médio e da Polônia. Embora outros países tenham dado calote aos créditos brasileiros, apenas no caso da Polônia a dívida foi renegociada dentro do Clube de Paris - os demais casos foram resolvidos bilateralmente. Ironicamente, o Brasil acabou por conceder à Polônia condições muito mais favoráveis do que as obtidas por ele próprio na renegociação de sua dívida. Os termos mais vantajosos para a Polônia foram concedidos graças ao voto de países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que estavam interessados na rápida recuperação daquela economia no contexto pós-queda do Muro de Berlim.