Título: Coaf mira setores não-regulados
Autor: Cristine Prestes
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Lavagem de Dinheiro Comunicações suspeitas das factoring chegaram a 5.617 até setembro

Depois de quase cinco anos de atuação na análise de operações suspeitas de lavagem de dinheiro, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) começa a voltar seus olhos para os setores não-regulamentados da economia mas que, por lei, são obrigados a prestar informações ao órgão. Os alvos da ação do Coaf desde meados deste ano têm sido as empresas de factoring e as imobiliárias. E a investida já tem resultados. Depois da edição de uma resolução detalhando as regras para a comunicação das suspeitas para as factoring em maio deste ano, o Coaf viu o número de informações recebidas dessas empresas saltar de 27 em todo o ano passado para 5.617 somente entre os meses de agosto e setembro deste ano. A Resolução nº 12 do Coaf, destinada às factoring, revoga a primeira norma feita para o setor, em 1999, e detalha a forma e o tipo de comunicado que deve ser feito ao órgão pelas empresas. Ela estabelece que as chamadas "operações atípicas", sujeitas à obrigatoriedade de comunicação ao Coaf, são aquelas superiores a R$ 10 mil realizadas em fronteiras, incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica e a capacidade financeira do cliente e com pagamento feito em conta de terceiros, entre outros itens de um total de 18 listados na norma do Coaf. "Quebramos a inércia do setor de não comunicar operações suspeitas", disse o presidente do Coaf, Antônio Gustavo Rodrigues, em entrevista ao Valor. De acordo com ele, a nova resolução foi editada justamente para criar critérios objetivos de comunicação de suspeita para as factoring e aumentar sua participação entre os informantes do órgão. "A primeira resolução deu ênfase ao aspecto matemático, e agora estamos privilegiando as questões fáticas", afirma. Segundo ele, a resolução deve passar em breve por uma nova atualização para que as próprias factoring possam filtrar as operações consideradas suspeitas. E aumentará o valor das operações que devem ser comunicadas de R$ 10 mil para R$ 50 mil. "É um processo de ajuste. Já temos 2.700 factoring cadastradas, mas apenas 170 delas têm comunicado operações ao Coaf", diz Rodrigues, que no ano que vem presidirá o Grupo de Ação Financeira Contra a Lavagem de Dinheiro (Gafi) da América do Sul. De acordo com o presidente da Associação Nacional das Sociedades de Fomento Mercantil - Factoring (Anfac), Luiz Lemos Leite, a nova resolução é fruto de um debate entre a instituição e o Coaf e tornou mais operacional a relação entre o órgão e as empresas. "Até então muitas delas não entendiam que o Coaf não é um órgão punitivo", diz. Segundo ele, quando o setor de factoring for regulamentado - há dois projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional - o controle será facilitado. A investida do Coaf em relação às factoring faz parte de uma estratégia de levar os setores sujeitos à obrigação de comunicar operações suspeitas, mas que não são regulados por nenhum órgão do governo, a participar do processo de combate à lavagem de dinheiro. Desde que o órgão foi criado, em 1998, pela Lei nº 9.613 - a Lei de Lavagem de Dinheiro -, bancos, seguradoras, bolsas e fundos de pensão são os principais fornecedores de informações sobre operações consideradas suspeitas do órgão. Isso porque eles obedecem as regras do Banco Central, da Superintendência de Seguros Privados, da Comissão de Valores Mobiliários e da Secretaria de Previdência Complementar, respectivamente, e por este motivo são mais recorrentes entre os informantes do Coaf. A título de exemplo, juntos eles somaram 8.295 comunicados no ano passado, quando os outros setores obrigados a comunicar operações - bingos, loterias, cartões de crédito, bolsas de mercadorias, comércio de obras de arte e de pedras preciosas, factoring e imobiliárias - fizeram apenas 755 comunicações. O próximo alvo, segundo Rodrigues, é o setor imobiliário. Em 2004 foram apenas 630 comunicados enviados ao Coaf pelas empresas que atuam na compra e venda de imóveis. Neste ano já foram 575. "Até o fim do ano teremos uma nova resolução para definir os comunicados para o setor", diz. De acordo com ele, outra dificuldade, além da questão da regulamentação do setor, é a da imagem das empresas. "Um banco que for usado para lavar dinheiro tem sua imagem mais atingida do que uma imobiliária, por exemplo", explica. A busca por um maior número de comunicados ao Coaf faz parte da estratégia de reunir no órgão o maior número possível de informações sobre os setores considerados alvos dos criminosos. Mesmo que as operações relatadas por eles não tenham qualquer indício de crime, elas alimentam um banco de dados que cruza informações de vários outros para tentar identificar a origem dos recursos alvo dos comunicados. "O banco de dados é cumulativo", diz Rodrigues. Do total de casos analisados pelo Coaf, apenas 3,5% são efetivamente suspeitos e enviados para a Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal, média não muito diferente dos Estados Unidos (0,96%), Canadá (0,49%) e França (4,22%). A maior parte, portanto, refere-se a operações normais. "Em 90% dos casos isso acontece por falta de atualização do cadastro da pessoa no banco: quando abriu a conta ela era estagiária e cinco anos depois já é bem remunerado." Além de mirar em setores não-regulamentados, o Coaf está também aprimorando a forma de relatar as operações que identifica como suspeitas de lavagem de dinheiro após o cruzamento de dados. Desde setembro os Ministérios Públicos dos Estados também recebem os relatórios do Coaf, além de outros órgãos do governo federal. Rodrigues conta que o órgão também tem colaborado com a Polícia Federal e o Ministério Público nas investigações em curso. Pela lei, o Coaf só pode prestar informações a esses órgãos por meio de autorização judicial. Mas, quando eles dão indícios ao Coaf de um suposto crime de lavagem de dinheiro, o conselho pode cruzar os dados e, se resultar em alguma informação suspeita, um ofício pode ser emitido para informação os agentes de investigação.