Título: Furlan tenta restaurar a MP do Bem
Autor: Arnaldo Galvão, Sergio Leo e Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 14/10/2005, Política, p. A5

Crise Ministro desiste de incorporar-se à comitiva de Lula e enfrenta resistências da Receita para recuperar medidas

Ganha força dentro do governo a alternativa de ressuscitar o pacote de medidas de incentivo a investimento e redução de impostos conhecido como MP do Bem (MP 252) por meio de emendas à Medida Provisória 255, que trata da tributação nos planos de previdência complementar. Irritado com a falta de aprovação da medida, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, desistiu de incorporar-se à comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Portugal, na quarta-feira, e, ontem, reuniu-se, em Brasília, com assessores para discutir alternativas. Hoje ele se reunirá, no fim, da manhã, com o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, de quem pretende cobrar engajamento, no governo, para superar os problemas causados pela não-aprovação da MP do Bem. O senador Amir Lando (PMDB-RO) é o relator da MP 255. A alternativa de enviar ao Legislativo um projeto de lei com pedido de tramitação urgente consumiria 100 dias. Líderes empresariais já comunicaram a Furlan que esperam uma ação do governo para evitar prejuízos ou danos a investimentos programados com base nos benefícios da MP do Bem. A medida provisória previa redução a zero na importação de máquinas e equipamentos, objetivo anunciado por Furlan desde sua indicação ao ministério. Também, entre outros benefícios, permitia isenção tributária na venda de imóveis destinada a compra de outra habitação. Quem tiver vendido uma residência contando com a isenção do imposto poderá ser prejudicado com a derrubada da MP. A MP do Bem perdeu validade ontem porque o Congresso não apreciou seu texto em 120 dias, como manda a Constituição. Ao perceber que não seria aprovada emenda do governo incluída com o pretexto de compensar o alto custo das isenções tributárias acrescentadas pelos parlamentares, a base do governo na Câmara manobrou para que, na terça-feira, não fosse alcançado o quorum mínimo de 257 deputados. A Casa Civil confirma que o governo tem interesse em manter o texto original da MP do Bem, mas ainda não definiu qual será a forma. Furlan, afirmou ontem que está "bastante decepcionado" com o destino da MP do Bem, uma das bandeiras do seu ministério. Ele deixou de acompanhar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a visita às cidades do Porto (Portugal) e Salamanca (Espanha) especialmente para preparar uma saída honrosa para esse pacote de desoneração tributária de investimentos. Amanhã, ele junta-se à comitiva presidencial em Roma e segue para Moscou. Durante mais de uma hora, Furlan discutiu ontem o que fazer com sua assessoria parlamentar e com representantes da Secretaria de Desenvolvimento da Produção (SDP) e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Há forte temor, entre assessores de Furlan que acompanharam as negociações para aprovação da MP do Bem, de que as resistências da Receita Federal comprometam as alternativas apontadas pelo ministério, para fazer valer os benefícios prejudicados com a não-aprovação da medida provisória. Fontes do governo insistem que o compromisso é manter o texto original da MP do Bem, publicado em junho. Mas o mesmo não vale para as emendas dos parlamentares que elevaram a renúncia fiscal de R$ 3,32 bilhões para R$ 6,6 bilhões por ano. Para o relator da MP do Bem na Câmara, Custódio Mattos (PSDB-MG), esse é um péssimo início. Na sua interpretação, também foram acolhidas várias sugestões da Receita Federal. "Eles não têm o monopólio da verdade. Por quê o Executivo pode alterar a MP e o Congresso não pode?", criticou. Se o caminho escolhido pelo governo for o de emendar a MP 255 para restaurar o conteúdo da MP do Bem, Mattos alerta para as dificuldades que vão surgir. "A Câmara não aceitará a humilhação de receber e aprovar, a toque de caixa, um pacote pronto. Recomendo incorporar os deputados nas discussões com o relator da MP 255 no Senado", adverte Mattos. O líder da minoria na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA), também avisa que as dificuldades do governo serão grandes. "Não há clima para restaurar apenas o texto original da MP do Bem. A Fazenda já aceitou várias ampliações que foram negociadas com o relator", diz. Aleluia também acredita que os senadores não vão permitir a exclusão da emenda que alterou os valores de enquadramento no Simples. Segundo a Receita, a perda de arrecadação dessa alteração de R$ 1,8 bilhão por ano. A assessoria do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) informa que vai defender junto ao Palácio do Planalto que a MP 255 seja aproveitada para absorver sugestões de emendas que possam restaurar o que há de consensual na MP do Bem. O presidente da mineradora Vale do Rio Doce, Roger Agnelli, disse ontem que está preocupado com a perda de validade da "MP do Bem" por falta de votação no Congresso e acrescentou que isso poderá atrasar as decisões de investimento das empresas no "curto, médio e longo prazo". "É um fato que tira a competitividade do Brasil enquanto plataforma de produção e destino de investimento", disse o executivo, que participou ontem, em São Paulo, do seminário "Efeito China", promovido pelo Conselho Empresarial Brasil - China, que é co-presidido por Agnelli. Ele citou três projetos da Vale que podem atrasar pelo fim da vigência da MP: uma refinaria de alumina no Pará em parceira com a chinesa Chalco; uma siderúrgica no Maranhão com a também chinesa Baosteel e com a Arcelor; e a Companhia Siderúrgica do Atlântico, que seria implantada no Rio de Janeiro em conjunto com o ThyssenKrupp. "Há vários e vários investimentos que estão para sair do papel. E agora vem essa notícia e temos que esperar para ver o que vai acontecer", reclamou Agnelli. Ele explicou que os investimentos destinados à exportação ficam comprometidos, porque não há formas de compensar os créditos tributários. A "MP do Bem" isentava de PIS e Cofins na compra de bens de capital as empresas predominantemente exportadoras. Apesar da preocupação com o tema, Agnelli disse ter confiança que "o governo vai reagir prontamente". Ele contou que conversou ontem pela manhã por telefone com o ministro Luiz Fernando Furlan. Segundo o executivo, Furlan teria desistido de acompanhar Lula na viagem a Europa para cuidar do assunto.