Título: Após violento furacão, América Central e EUA estudam força conjunta
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Fonte: Valor Econômico, 14/10/2005, Internacional, p. A9

As cenas estão ficando bastante familiares. Encostas desmatadas, saturadas de água após dias de chuva, despencam formando rios de lama, e soterrando vilarejos. Em 1998, Honduras foi o país mais atingido pelo furacão Mitch, de categoria 5, com ventos de até 290 km/h, que matou 9 mil pessoas. No ano passado, o Haiti foi atingido duas vezes, na segunda delas pelo furacão Jeanne que matou 3 mil pessoas, segundo estimativas. Agora foi a vez dos montanhas indígenas maias na Guatemala. O furacão Stan, posteriormente rebaixado para tempestade tropical, despejou quase uma semana de chuvas torrenciais nas encostas dos vulcões em torno do lago Atitlan, um popular destino turístico. A maioria das pessoas dormia quando veio o deslizamento de terra, em torno das 3 h da madrugada de 6 de outubro. Dois vilarejos, Panabaj e Tzanchaj, foram soterrados por uma enxurrada de lama com mais de meio quilômetro de largura e de 4,5 a 6 metros de profundidade. As autoridades locais cancelaram as inúteis e arriscadas operações de socorro, solicitando que os vilarejos fossem declarados vala comum. Embora o número oficial de mortos na Guatemala seja de apenas 652 pessoas, as autoridades receiam que as vítimas possam chegar a 2 mil. De uma população de 11 milhões de habitantes, cerca de 130 mil ficaram sem abrigo, e 3 milhões, sem eletricidade, água e outros serviços essenciais. Safras e gado foram destruídos e deslizamentos de terra comprometeram quase 3,8 mil quilômetros de rodovias, praticamente isolando toda a província ocidental de San Marcos. Agora, há risco de fome e doenças. No México, 42 pessoas morreram, outras 72 em El Salvador e mais 11 na Nicarágua. A temporada 2005 de furacões no Atlântico, que vai do início de junho a fins de novembro, já é a segunda mais fatal documentada. O Stan foi o décimo furacão neste ano. A freqüência de grandes desastres naturais na região empresta peso a uma proposta de criação de uma força conjunta centro-americana de mobilização rápida para responder a tais emergências, bem como para providenciar missões de manutenção da paz e assegurar maior segurança regional. Coincidentemente, Donald Rumsfeld, secretário de Defesa dos EUA, foi o anfitrião de uma cúpula dos ministros de Defesa da região, realizado em Miami nesta semana. Os EUA planejam dar ajuda logística e financeira à organização. O governo Bush está apoiando a proposta como parte de seu objetivo de fazer com que a América Latina enfrente seus próprios problemas, que em sua maioria demandam uma resposta coletiva. Isso já começou. A região avançou bastante desde as sangrentas guerras civis dos anos 80, dizem autoridades americanas, citando a crescente integração comercial e o Acordo de Livre Comércio da América Central (Cafta, em inglês). Ao mesmo tempo em que Rumsfeld falava em Miami, uma equipe de 58 militares americanos, apoiados por oito helicópteros e aviões, distribuía alimentos, água, medicamentos e equipamentos de comunicação nas comunidades mais isoladas, depois que deslizamentos e enxurradas levaram estradas e pontes. Críticos vêem a unidade de reação rápida como um convite para maior intervenção militar no enfrentamento da violência de quadrilhas armadas. "A reação ao problema das quadrilhas não é, e não deveria ser, uma missão militar", diz o Washington Office on Latin America, uma organização privada que atua na defesa dos direitos humanos cujas preocupações devem-se ao histórico de abusos militares na América Central. Em nenhum lugar esse legado é sentido mais intensamente do que na Guatemala, onde as Forças Armadas executaram uma brutal campanha de terra arrasada contra comunidades camponesas indígenas suspeitas de abrigar guerrilheiros esquerdistas na década de 80. Geograficamente isoladas e culturalmente independentes, a comunidades indígenas continuam profundamente desconfiadas da notoriamente corrupta elite política do país. Em Panabaj, palco de um massacre praticado pelo Exército 15 anos atrás, os líderes locais disseram que os soldados não são bem-vindos. As autoridades estão estimando os enormes custos de reconstrução de estradas, pontes e outros elementos de infra-estrutura, após a passagem do furacão. Essa será a parte fácil de sua tarefa. Os persistentes problemas de pobreza rural serão muitos mais difíceis de eliminar.