Título: Reforma sindical e mudanças nas relações trabalhistas
Autor: Jefferson José da Conceição e Maria da Consolação
Fonte: Valor Econômico, 14/10/2005, Opinião, p. A10

Negociações coletivas devem ser priorizadas

A jornada de trabalho no Brasil é prevista na Constituição Federal (CF) de 1988. Ela prevê o limite de 44 horas semanais, oito horas diárias e pagamento das horas extras em, no mínimo, 50% superior à hora normal. A legislação infraconstitucional regulamenta a jornada. Nesta arquitetura do ordenamento jurídico encontram-se a CLT, outras leis ordinárias, leis especiais para determinadas categorias profissionais, portarias, normas do Ministério do Trabalho e acordos e convenções coletivas de trabalho. Nem todos os países adotam este sistema para normatizar as relações trabalhistas. Temos um sistema profundamente interventor do Estado nas relações laborais. Paradoxalmente, isso não significa que os empregados são plenamente protegidos. Além disso, cerca de 50% dos trabalhadores estão hoje fora do mercado formal. Para eles, as leis sequer são aplicadas, exceto quando procuram a Justiça. O modelo intervencionista inibe a ação sindical e a negociação coletiva, quando desloca para a legislação todo o potencial de regulamentação do trabalho e relega à justiça do trabalho a solução dos conflitos. O atual projeto de reforma sindical (PEC nº 369/05 e PL 369/2005) dá um salto em busca de um modelo mais democrático de relações trabalhistas. Ele fortalece as centrais sindicais, a negociação coletiva e a organização no local de trabalho. Possibilita avanço também nas alterações legislativas do direito material do trabalho, trazendo esta regulação mais para o campo da negociação coletiva que da normatização estatal. A legislação atual é muito detalhada, pois falta autonomia para aqueles que estão diretamente envolvidos na relação de trabalho estabelecerem suas próprias normas. Para não colocar em risco a situação dos trabalhadores não-organizados, é fundamental uma legislação de sustento que garanta alguns direitos básicos. A partir deste patamar, a negociação ocorreria em níveis nacionais, por ramos e sindicatos, atendendo às especificidades de cada ramo/ setor. O tema da jornada pode ser explorado também nas negociações tripartites, que envolvem representações dos empregadores, representações sindicais e o Estado. Na realidade, o modelo de regulamentação de jornada parte do pressuposto de alteração da estrutura sindical atual. É preciso fortalecer os sindicatos, dando-lhes mais autonomia e liberdade, na medida em que o modelo que se pretende é amparado na negociação coletiva. Neste quadro de mudanças, algumas possibilidades de normatização das relações de trabalho - incluindo aí a jornada - poderiam ser estudadas.

Sistema interventor concede à lei todo poder de regulamentação, inibindo a ação sindical e a negociação coletiva

A primeira alternativa é a "contratação coletiva nacional articulada". Ela prevê que, durante o período de transição do modelo, qualquer contrato coletivo estabelecido entre sindicatos e empresas, ou entre federações e representações empresariais, deveria, obrigatoriamente, estar subordinado e coerente às normas previstas em contratos coletivos de nível nacional em vigor. Somente a partir do estabelecido nesses acordos nacionais é que os sindicatos poderiam negociar novos parâmetros que ampliassem as conquistas dos seus representados. Os sindicatos não-filiados às centrais sindicais deveriam, compulsoriamente, antes da contratação, estabelecer a qual contrato nacional estaria subordinada a sua negociação. A segunda alternativa é a do direito de negociação proporcional à capacidade de representação sindical. Nesta, durante a transição, o poder de negociação sindical previsto em lei seria proporcional à representação sindical perante os trabalhadores. Assim, os sindicatos mais representativos - estabelecidos por algum critério legal - teriam um potencial maior para negociar eventuais flexibilizações da lei. O suposto aqui é que estas negociações seriam, em geral, positivas e benéficas aos trabalhadores, na medida em que estariam associadas a novas conquistas. Por outro lado, aqueles sindicatos pouco representativos teriam uma margem menor de negociação. Para estes últimos, haveria uma maior intervenção da legislação de sustento na vida dos trabalhadores por ele representados. Exemplo: a legislação de sustento preveria a jornada de 40 horas semanais, mas a possibilidade de compensação semanal poderia ser dada àqueles sindicatos com X% de representação, enquanto que a compensação semestral seria negociada apenas com aqueles sindicatos com Y% de representação. De qualquer modo, deveria existir uma regulamentação mínima da relação de trabalho. No caso específico da jornada, a legislação de sustento (que pode ser denominada "legislação guarda-chuva") deveria prever, sinteticamente, as proteções: 1) limite de horas semanais; 2) limite de horas diárias; 3) intervalo para refeição; 4) intervalo entre as jornadas; 5) limites de horas suplementares; 6) descanso semanal. A cargo da negociação coletiva ficariam, por exemplo, a marcação do ponto; a possibilidade de redução da jornada semanal; a compensação das horas e o banco de horas; a remuneração da hora suplementar; a possibilidade ou não de trabalhar aos domingos; remuneração dos intervalos; a quantidade e a extensão de intervalos intrajornadas; a possibilidade do trabalho noturno e a sua remuneração; as horas in itinere; a supressão de horas extras; os turnos ininterruptos de revezamento; entre outras infinidades de questões que poderiam surgir. As normas, portanto, respeitariam uma hierarquia que partiria da regulamentação legal ampla para as decorrentes de negociações coletivas em âmbito nacional por ramos e setores, estaduais por ramos e setores, e, por fim, de negociações entre empresas e sindicatos. As duas propostas acima poderiam ser complementares. Assim, além do critério adotado na primeira alternativa - contrato coletivo articulado - os sindicatos só poderiam negociar conforme o seu grau de representatividade. Essas alternativas são apenas sugestões. O primordial é que se estabeleça processo de transição de modelos de regulamentação trabalhista para garantir a proteção ao trabalhador.