Título: Sem clima para investir
Autor: Armando Castelar Pinheiro
Fonte: Valor Econômico, 14/10/2005, Opinião, p. A11

Confirmadas as projeções, em 2004-05 o Brasil terá exportado, ao ano, 1,8% do PIB em poupança. Se investidos domesticamente, esses recursos elevariam o crescimento do PIB potencial em meio ponto percentual, tirando o país da incômoda situação de ver diminuir sua participação no PIB mundial e latino-americano. Como explicar que um país cuja produtividade do capital é tão elevada, e que necessita tanto investir para crescer, mande para fora quase um décimo do que poupa? Comecemos pelos números. Entre 1998 e 2004, a poupança doméstica aumentou de 16,8% para 23,2% do PIB, graças à contração de 6,7% do PIB no consumo das famílias e à leve redução de 0,3% do PIB no consumo do governo. Esse esforço se destinou a reverter o resultado em conta corrente (igual, com sinal trocado, à poupança externa), de um déficit de 4,3% para um superávit de 1,9% do PIB. Não é pouca coisa, considerando que nesse período nossos termos de troca pioraram, reduzindo a renda nacional em 1,6% do PIB, o que em condições normais levaria a uma queda da poupança doméstica. Esse ajuste foi detonado pela decisão do resto do mundo de não mais financiar nosso excesso de gastos. Foi custoso, mas necessário. Mas a situação mudou, com o aumento da liquidez internacional e do apetite pelo risco Brasil. Hoje, a opção por exportar poupança, em vez de investi-la, é voluntária, reflexo de problemas domésticos, não de restrições externas. Por trás dessa escolha está um ambiente hostil ao investimento, a começar pelo ainda incompleto ajuste fiscal, como evidenciado pelos altos juros reais incidentes sobre a dívida pública, elevada e de curta maturidade, cuja trajetória só se sustenta com elevados superávits primários, o que torna o quadro macroeconômico muito sensível à conjuntura política. Podemos até estar melhor no filme do que na foto, mas este passa em câmara lenta, em meio à nossa hesitação em cortar os gastos públicos. Sem o que será difícil reduzir a carga tributária, 12% do PIB, acima do patamar que prevaleceu de 1968 ao início dos anos 90 e do que seria razoável para um país com a renda per capita do Brasil. Com isso, espreme-se a rentabilidade do investidor entre um elevado custo de capital e uma tributação excessiva, e transfere-se para ele o risco de liquidez e de oscilações na taxa de juros nos recursos tomados a terceiros. Somam-se a isso a instabilidade nas regras tributárias; uma legislação trabalhista pesada e falsamente benevolente, considerando que mais da metade dos trabalhadores são informais; a exigência de que as empresas cumpram um emaranhado de regras pouco funcionais mas onerosas; e um modelo regulatório na infra-estrutura incompleto, instável e que enfraquece as agências reguladoras. Pesquisa do Banco Mundial revelou que o Brasil é, entre 48 países em desenvolvimento, aquele em que uma maior proporção dos executivos considera as alíquotas de impostos, a legislação trabalhista e a incerteza que cerca as políticas públicas entraves sérios ou muito sérios ao investimento. Na mesma linha, o Doing Business 2006 evidencia o elevado ônus que a burocracia impõe à atividade empresarial no país. A regulação ambiental, administrada simultaneamente pelo Ibama, os órgãos estaduais, o Ministério Público Federal, e sua contrapartida nos Estados, tornou-se outra fonte adicional de risco. Compõe ainda esse quadro a má alocação dos gastos públicos, que apesar de elevadíssimos têm dedicado poucos recursos à infra-estrutura, em especial às estradas, reduzindo a produtividade do investimento privado.

Para melhorar o ambiente de investimento é preciso reduzir gasto público e carga tributária, e implementar a agenda de reformas microinstitucionais

O freqüente desrespeito aos direitos de propriedade e aos contratos, não apenas pelo setor público, mas também pelo privado, é outro problema. Invasões de terra, de imóveis urbanos e do espaço público tornaram-se uma constante. O crime contra as pessoas e o patrimônio - roubos de carga, por exemplo - também estão em níveis elevados. O resultado é um aumento do custo com segurança - carros blindados, vigias, câmaras etc. - e do risco, pessoal e patrimonial. Esses riscos são compostos por uma atitude do Judiciário insuficientemente voltada para moderar a instabilidade das regulações públicas e fazer respeitar os contratos e os direitos de propriedade. Em especial, os magistrados têm interferido na regulação do meio ambiente, da defesa da concorrência, dos serviços públicos, do direito do consumidor e dos mercados de crédito, aluguel e serviços privados, acrescentando mais uma camada de discricionariedade às leis e às decisões do Executivo. A estrutura monocrática do Judiciário, em que cada juiz pode decidir independentemente da jurisprudência, eleva o risco e o custo regulatório. Assim, ainda que vá de encontro às necessidades do país, a falta de apetite para investir no país é fácil de entender. Líquido de impostos e do custo de cumprir regulações, e ajustado para o risco, o retorno ao investimento no Brasil é muito menor do que parece à primeira vista. Isso significa que só aumentar a poupança não basta para que haja mais investimento e se acelere o crescimento. De fato, em que pese a forte expansão da poupança doméstica em 1998-2004, a taxa de formação bruta de capital fixo não se mexeu: caiu de 19,7% para 19,6% do PIB. Desta forma, mesmo que o saldo em conta corrente diminua nos próximos anos, nada garante que isso leve a mais investimento. Sem uma alteração no quadro descrito acima, o mais provável é que ocorra uma expansão do consumo privado - mais viagens de turismo, menores exportações líquidas de bens de consumo etc. A alternativa à melhora do ambiente de investimento é esperar que o seu retorno suba mais, a ponto de compensar o risco elevado e as deficiências regulatórias. Mas isso exigirá um aumento de preços e uma queda dos salários - por exemplo, na esteira de uma desvalorização do real - que, além de difícil de administrar, pelas pressões inflacionárias daí derivadas, parece indesejável frente à queda que já ocorreu no consumo privado e à nossa já desigual distribuição de renda. Mais difícil, mas melhor, é reduzir e reestruturar o gasto público, diminuir a carga tributária e implementar a agenda de reformas microinstitucionais.