Título: BNDES admite descontrole em repasses a municípios
Autor: Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 14/10/2005, Especial, p. A12

Gasto Público Banco diz faltar estrutura para avaliar uso dos recursos

Com mais de sete anos de existência e R$ 700 milhões já contratados em 296 operações, o PMAT - linha de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) criada para apoiar a melhoria da arrecadação e do gasto público dos municípios - ainda não tem uma avaliação global sobre o que está sendo alcançado com os créditos concedidos. O BNDES admite não ter estrutura e capilaridade para fazer a avaliação. O Banco do Brasil, principal agente de captação de projetos e repasse dos recursos às prefeituras, informou também que não tem esse levantamento. Criado para auxiliar municípios a cumprir os rigorosos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o Programa de Modernização da Administração Tributária e da Gestão dos Setores Sociais Básicos (PMAT) está fora dos limites de endividamento do setor público com o BNDES (até 45% do patrimônio de referência do banco). O programa é excelente oportunidade para prefeitos captarem dinheiro extra e barato - juros de TJLP mais 2,5% nas operações diretas, e TJLP mais 1% e spread do agente no caso de operação indireta , com até oito anos para pagar e dois de carência - para investir em tecnologia e treinamento de pessoal. O problema é saber se o que está sendo feito justifica o programa. "O problema é a escala do programa. Em um país com mais de 5.500 municípios você não pode perder tempo fazendo 30 análises por ano. Por isso usamos o Banco do Brasil", explica João Scharinger, chefe do departamento de desenvolvimento urbano do BNDES. Segundo Scharinger, o banco procura conferir se os recursos estão sendo aplicados naquilo que o prefeito se propôs a fazer. Mas a falta de estrutura acaba gerando falhas até nesse controle básico. O município de João Pessoa (PB) contratou, em dezembro de 2002, um empréstimo de R$ 10,222 milhões com recursos do programa para fazer modernização tributária. Na listagem dos financiamentos do programa, a operação está relacionada como "em desembolso", ou seja, ainda não foi feito o repasse total dos recursos. De acordo com o atual secretário de Finanças da capital paraibana, Gervásio Mariz Maia, foram liberados R$ 8,5 milhões na gestão passada. Com esse dinheiro, segundo ele, foram comprados sete automóveis Gol 1.0 por cerca de R$ 150 mil, e um servidor (espécie de computador central) que custou R$ 800 mil, e do qual só foram pagos R$ 500 mil. "O restante acabou gasto em outras atividades, como, por exemplo, um programa de organização funcional (reestruturação administrativa), que custou R$ 2 milhões e não teve nada implantado", disse. Por causa disso, a gestão atual herdou uma dívida de R$ 280 mil por mês. Para Maia, não há como eximir o BNDES de parte da culpa pela desastrada operação, por conta da falta de acompanhamento rigoroso da execução. Simon Shi Koo Pan, gerente do BNDES, concorda que o banco estatal pecou por falta de estrutura para fiscalizar melhor. Segundo ele, os relatórios da Prefeitura de João Pessoa eram modelares e as visitas de verificação muito raras e curtas (apenas dois dias). Em 2003, o município pediu uma liberação logo após visita de dois técnicos do banco, que não descobriram irregularidades. O dinheiro foi liberado. Em 2004, nova liberação seguida de uma visita de outra equipe. Dessa vez, a sorte ajudou o BNDES. Um grupo de fiscais paraibanos irrompeu em uma reunião da qual participava a equipe do banco para alertar que os relatórios falsificavam informações. "Os relatórios eram simulações", resume Pan, ressaltando que o programa não está estruturado para lidar com esse tipo de coisa. A falta de estrutura ficou maior no atual governo, quando o número de gerências ligadas ao PMAT caiu de três para uma. João Pessoa é um caso extremo, já que o ex-prefeito Cícero Lucena (PSDB) chegou a ser preso por suspeita de participação em irregularidades, mas a falta de estrutura não permite descartar a existência de outros casos. Desde a primeira operação - um empréstimo de R$ 8,9 milhões para Manaus, já liberado e liquidado, o PMAT contratou R$ 684,6 milhões com cerca de 290 prefeituras de todos os portes. A atual carteira ativa soma 281 contratos, no valor de R$ 559 milhões, sendo 76 operações diretas, 198 via Banco do Brasil e 7 por intermédio dos bancos de desenvolvimento do Espírito Santo e Santa Catarina. Do total contratado, R$ 344,7 milhões já foram desembolsados. Há ainda 128 operações já aprovadas, no total de R$ 104 milhões, sendo 117 via Banco do Brasil e 11 diretas. A maior operação já contratada foi de R$ 119,9 milhões, com o município de São Paulo. Segundo Scharinger, os bancos de desenvolvimento estaduais estão se revelando nova opção como agentes de repasse. Ele reconhece que o BB, embora tenha capilaridade, não está estruturado para analisar as operações, obrigando a equipe do BNDES a rever cerca de 90% das análises que ele faz.