Título: Estagnação atinge mais de 3 mil cidades
Autor: Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 14/10/2005, Especial, p. A12

A crise urbana tomou conta da maioria das cidades brasileiras. Dos 5.700 municípios do país, entre 3 mil a 4 mil estão estagnados ou decadentes, e 200 têm alto dinamismo, mas também maior índice de pobreza e desordem urbana, como São Paulo, primeira nesse ranking. Entre 600 e 800 cidades têm dinamismo médio e melhor qualidade de vida, como São José dos Campos e Volta Redonda, mas não estão livres da violência, miséria e favelização, diz Luiz Paulo Velloso Lucas, ex-prefeito de Vitória e coordenador do Qualicidades. O projeto, que tem apoio do BNDES e foi criado para levantar as principais carências das cidades brasileiras, conta com uma equipe na Universidade Federal do Espírito Santo. A meta é, no prazo de um ano, preparar relatórios e estudos de campo, visando implementar medidas para aplacar a crise urbana. Também será feito estudo comparativo com 60 cidades do Brasil e do exterior para base de comparação de exemplos de sucessos e fracassos nas administrações. Lucas falou durante seminário realizado ontem, no BNDES, onde foi debatido o crescimento caótico das cidades. Afirmou que o maior gargalo para solucionar os problemas dos municípios brasileiros é a ausência de crédito para o setor público. A crítica foi absorvida pelo BNDES, impedido de financiar o setor público por motivações de caráter macroeconômico. O diretor de Planejamento do BNDES, Antonio Barros de Castro, espera, porém, que o trabalho do Qualicidades seja um receituário de recomendações para a crise e para a atuação do BNDES nesse nicho. "Vamos, a partir desse trabalho, pensar formas de financiamento para a múltipla crise urbana. O projeto será fundamental para a tomada de posição do banco." Aluysio Asti, superintendente de Planejamento do banco, lembrou que a instituição tem alguns programas voltados para os municípios, como o PMAT, que financia melhoria de gestão das prefeituras, além de linhas para transporte urbano, projetos de saneamento. Mas reconheceu que é preciso qualificar mais a ação do banco. "Precisamos pensar em como realizar investimentos em áreas metropolitanas, para que os consórcios de municípios e as regiões metropolitanas contém com recursos do banco", destacou. Para Lucas, é preciso dar mais força ao poder local dos municípios para enfrentarem seus problemas, com destaque para o uso do solo (direito de propriedade) e política habitacional, inexistente no país há mais de 20 anos. "A habitação é um dos problemas mais graves da crise urbana. Mais de 80% das pessoas que ganham entre três e seis mínimos não tem casa própria, vivem de aluguel nas cidades. A política habitacional precisa ter fluxo mais forte de recursos para aplacar a crise habitacional.". "Não temos política habitacional para a baixa renda, nem estratégia para enfrentar a pobreza urbana", alertou. Disse que o pai da favelização é o crescimento econômico e, a mãe, a ausência de política urbana. "Se cresce a renda e o emprego sem política urbana, a tendência é a expansão do mercado imobiliário informal para pessoas de menor renda. A favela é ilegal, informal e sem regras. No meu modelo urbano, a Rocinha (maior favela carioca) teria prefeito". Lucas defende a necessidade de se repensar o poder local. "No Brasil, os problemas urbanos não serão resolvidos de Brasília", avisa. Castro concorda. "É preciso acatar que o poder local é fundamental na solução da crise urbana." O subchefe de assuntos federativos da Presidência da República, Vicente Trevas, discorda. Mesmo admitindo a existência de uma crise urbana em andamento, considera que a solução tem de ser federativa.