Título: Cofins e opções das corretoras de seguros
Autor: Rogério Aleixo Pereira
Fonte: Valor Econômico, 14/10/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"A isenção para as corretoras ainda é possível, desde que a ação judicial contenha os argumentos corretos"

Não é de hoje que as discussões relativas à isenção da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) começaram. Posso afirmar com propriedade ao leitor que talvez seja o tributo mais contestado da história recente do Brasil. Um dos pontos mais intrincados de discussão no âmbito jurídico é saber se as corretoras de seguros ainda mantêm a isenção da Cofins, segundo a Lei Complementar nº 70, de 1991. A controvérsia surge da própria lei complementar instituidora da Cofins, que inicialmente concedeu isenção às sociedades de profissionais legalmente regulamentadas e às pessoas jurídicas descritas no parágrafo 1º do artigo 23 da Lei nº 8.212, de 1991, a lei das sociedades financeiras. Se nos perguntassem em qual destas hipóteses estariam enquadradas as corretoras de seguros, não seria nenhuma surpresa informar que poderiam enquadrar-se nas duas. As sociedades corretoras de seguros são regulamentadas pela Lei nº 4.594, de 1964, e, portanto, são sociedades de profissão legalmente regulamentada. As corretoras que tinham seus atos constitutivos registrados nos cartórios (registros civis) e cujos sócios eram pessoas físicas residentes e domiciliadas no Brasil estavam totalmente enquadradas na primeira hipótese de isenção, qual seja, a de que as sociedades civis eram isentas da Cofins. De outro lado, para as sociedades corretoras que não se enquadravam na hipótese comentada, ou porque estavam registradas na junta comercial local ou porque tinham em seus quadros societários a presença de pessoas jurídicas, a exclusão do recolhimento da Cofins, segundo a Lei Complementar nº 70/91, também era viável, já que estas empresas estavam compreendidas no parágrafo 1º do artigo 23 da Lei nº 8.212/91, que não apontou nenhum outro requisito especial para a isenção. No primeiro caso, vale ainda lembrar, não foi imposta nenhuma outra condição além das três já mencionadas, isto é, pessoas físicas residentes e domiciliadas no Brasil como sócios, registro do contrato social em cartório e atividade regulamentada por lei federal, sendo impróprio afirmar que somente as corretoras que tivessem sócios (pessoas físicas) corretores de seguros é que poderiam gozar do referido benefício fiscal. Em direito, o que o legislador não colocou como obrigação ou requisito não cabe ao intérprete - o Poder Judiciário - fazê-lo. Mas afinal, quais são os argumentos existentes para a manutenção da isenção da Cofins em uma corretora de seguros?

Na Câmara havia o interesse claro de que a Cofins deveria ser instituída por uma lei complementar

No primeiro caso, se considerado que a corretora de seguros é uma sociedade civil de profissão legalmente regulamentada e ainda atende aos requisitos iniciais da isenção, podemos dizer que a Lei nº 9.430, de 1996, não poderia ter criado uma obrigação tributária por simples menção à Lei Complementar nº 70/91, por afronta ao Código Tributário Nacional (CTN), que é o que chamamos de a "lei" das leis tributárias: sem obedecer aos seus requisitos, não é possível criar uma obrigação tributária. Além disso, há um princípio inserto na chamada Lei de Introdução ao Código Civil, do qual uma lei só pode revogar outra lei se for de mesma natureza material (assunto) e formal (formato legislativo). Não há nada de inconstitucional nesse assunto, ao contrário do que sustentam alguns juristas. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial nº 656.630, já deu ganho de causa a uma corretora de seguros com estes argumentos. No segundo caso, em que as corretoras de seguros seriam tratadas como sociedades financeiras, e cujos requisitos de benefício fiscal vinculavam-se tão-somente ao acréscimo tributário da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a isenção concedida teria sido objeto de revogação pela Lei nº 9.718, de 1998, que teria incluído, salvo raras exceções, todas as pessoas jurídicas como contribuintes da Cofins. Neste caso, o argumento para que a isenção ainda fosse atual seria o de que a isenção concedida por uma lei complementar não poderia ser objeto de revogação por uma lei ordinária, tão-somente pela tese já apresentada de afronta ao princípio da hierarquia das normas, expresso na Lei de Introdução ao Código Civil. É preciso lembrar que os argumentos jurídicos aqui apresentados baseiam-se também no próprio processo legislativo de instituição da Cofins, em 1991. Em verificação aos discursos proferidos na Câmara dos Deputados, comprovamos que havia o interesse claro de que a Cofins deveria ser instituída por uma lei complementar, já que o Finsocial, que era a contribuição existente, vinha sendo objeto de um grande número de contestações judiciais. Se o objetivo foi esse, procurou-se dar maior segurança jurídica à Cofins, e não é uma norma de reconhecida categoria inferior que poderia ter revogado os benefícios fiscais. Aliás, com as alterações promovidas pelo fisco, criou-se novamente uma enxurrada de ações na Justiça Federal. Alguns empresários nos perguntam sobre este tipo de processo e o Supremo Tribunal Federal (STF). Sempre digo a eles que não cabe ao Supremo o julgamento desta causa, desde que os argumentos apresentados não mencionem nenhuma inconstitucionalidade. Recentemente, verificamos que o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo, denegou uma liminar pedida pelo fisco contra uma decisão do STJ. Os argumentos do despacho são claros ao mencionar que não cabe ao Supremo apreciar o processo se as decisões judiciais não tratam da inconstitucionalidade da Cofins ou de suas alterações. Outros ministros da corte - Joaquim Barbosa e Carlos Velloso - também já acompanharam este entendimento. Dessa forma, a isenção da Cofins para as corretoras de seguros ainda é possível, desde que a ação judicial contenha os argumentos corretos.