Título: Construção tem desempenho fraco
Autor: Sergio Lamucci e Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2005, Brasil, p. A3

Conjuntura Setor deve fechar o ano com crescimento bem inferior ao registrado em 2004

Depois de crescer 5,7% no ano passado, a construção civil tem um desempenho decepcionante em 2005. Os juros altos, o desembolso abaixo do esperado de recursos previstos para o setor e o investimento baixíssimo do governo em infra-estrutura ajudam a explicar o resultado. De janeiro a agosto, a produção de insumos típicos da construção aumentou apenas 0,96% em relação ao mesmo período de 2004. Os analistas esperam uma recuperação no quarto trimestre, mas ninguém aposta na repetição do desempenho do ano passado. O economista Sérgio Vale, da MB Associados, projeta um crescimento de 2,2% para a construção em 2005, e pode revisar o número para baixo. A consultora Ana Maria Castelo, da GV Consult, tem como projeção oficial expansão de 4,1%, mas diz que essa estimativa não deve ser atingida, mesmo com maior liberação do dinheiro disponível para construção e queda dos juros nos próximos meses. Um fator positivo para o setor é que projetos privados começam a sair do papel, dando algum impulso, como afirma o presidente do Sinduscon, João Cláudio Robusti. A produção de insumos para a construção tem oscilado muito, como nota Ana Maria. Depois de crescer 0,63% no primeiro trimestre, em relação ao mesmo período do ano passado, houve uma recuperação forte no segundo, com expansão de 3,5%. Em julho e agosto, no entanto, houve queda de 2% em relação a julho e agosto de 2004, indicando que o desempenho no terceiro trimestre fechado foi bastante sofrível (o número de setembro ainda não foi divulgado). Para ele, num cenário de juro alto, câmbio valorizado e crise política, os empresários tendem a adiar projetos de construção de novas unidades - uma decisão mais cara e arriscada. Isso explicaria porque o crescimento da construção civil deve ser tão menor neste ano do que o de máquinas e equipamentos. Comprar uma máquina é uma decisão mais simples de ser tomada, diz Vale, que projeta crescimento de 2,2% para a construção e de 10,8% para o consumo aparente de máquinas e equipamentos. O desempenho da construção impede uma recuperação mais forte da formação bruta de capital fixo (FBCF), que deve crescer 4% neste ano, de acordo com Vale. Como a construção responde por algo como 65% a 70% da FBCF - o restante se refere ao investimento em máquinas e equipamentos -, isso dificulta uma maior ampliação da capacidade de produção da economia. Ana Maria diz que o desembolso menor do que se esperava de recursos para o setor é um dos principais motivos que explicam o mau resultado. Ela lembra que o orçamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para habitação e saneamento em 2005 é de R$ 11,2 bilhões, dos quais apenas 24% foram contratados de janeiro a agosto. Outro problema, segundo Ana Maria, é o investimento baixo do governo em áreas cruciais como saneamento e infra-estrutura. De janeiro a meados de setembro, por exemplo, o governo federal liquidou apenas 0,43% de R$ 838,613 bilhões previstos para saneamento ambiental urbano. Robusti, do Sinduscon, também reclama da falta de investimentos públicos. O segmento que mais tem crescido é o informal, responsável por pequenas reformas, diz ele. "Não há um sentimento generalizado de crescimento porque alguns ramos estão indo muito mal, como é o caso da infra-estrutura", afirma Robusti, ponderando que no início do segundo semestre houve uma expansão de projetos privados. Prova disso seria a alta de 1,69% no nível de emprego na área de engenharia e arquitetura em agosto e de 11,64% no acumulado do ano. O de preparação do terreno também vai bem, com alta de 2,8% em agosto e 9% em 2005. A questão é que o desempenho do setor é bastante heterogêneo. A produção de cimento e clínquer cresceu 9,16% de janeiro a agosto, mas a de tubos de ferro e aço caiu 8,92%. Para os próximos meses, Ana Maria traça um quadro mais favorável. Os juros devem cair e a expectativa é que o governo tente usar os recursos de modo mais eficiente. Conta ainda o fato de que o quarto trimestre de 2004 não foi dos melhores para a construção, o que significa que a base de comparação não é forte. Bráulio Borges, da LCA Consultores, também está um pouco mais otimista. "O cenário é de recuperação a partir de agora, ainda que tímida", diz. O economista lembra que o financiamento imobiliário para a construção avançou 67,4% nos 12 meses terminados em julho. Mesmo assim, a projeção da LCA é a que o PIB da construção não ultrapasse os 3,8% neste ano, bem abaixo do 5,7% de 2004. Vale é ainda mais pessimista. Para ele, até mesmo sua previsão de expansão de 2,2% é difícil de ser atingida: para fechar o ano com crescimento de 2% em 2005, a produção de insumos da construção tem de aumentar 4% ao mês entre setembro e dezembro, ante o mesmo período do ano passado. Para ele, a queda dos juros deve ajudar o setor, mas o impacto maior deve ocorrer em 2006 - que também tende a ser melhor por ser um ano eleitoral.