Título: Rússia quer coroar cooperação com satélite
Autor: Humberto Saccomandi
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2005, Brasil, p. A4

Relações externas Interesse em programa será apresentado ao presidente Lula, que inicia hoje visita ao país

O lançamento do astronauta brasileiro é apenas o lado mais espetacular da crescente cooperação espacial entre Brasil e Rússia. O grande negócio do setor, do qual os russos esperam participar, é o programa do Satélite Geoestacionário Brasileiro (SGB). O custo do projeto poderia chegar a US$ 1,5 bilhão. Esse interesse russo deve ser transmitido hoje a Luiz Inácio Lula da Silva durante a visita oficial do presidente brasileiro a Moscou. Ele está acompanhado do presidente da Agência Espacial Brasileira, Sérgio Gaudenzi. Os dois países vão assinar uma acordo de cooperação espacial, que prevê, entre outras coisas, o lançamento do astronauta brasileiro por um foguete russo, no ano que vem, e um contrato para a reformulação do projeto do Veículo Lançador de Satélites (VLS) brasileiro, que custará cerca de US$ 3 milhões. O acordo não faz menção ao SGB, mas, segundo o Valor apurou, para Moscou a participação no projeto do satélite seria o coroamento da cooperação espacial. O governo russo vê no setor espacial uma possibilidade de compensar o grande déficit comercial que o país tem com o Brasil. No ano passado, o Brasil exportou US$ 2,252 bilhões e importou apenas US$ 479 milhões, com superávit de US$ 1,77 bilhão. O saldo brasileiro deve ser ainda maior este ano, pois até setembro já acumulava US$ 1,69 bilhão. Na avaliação de Moscou, há poucos produtos na pauta de exportações russa que poderiam ter um impacto significativo na balança do comércio bilateral. O país tinha grande esperança na licitação para a renovação dos caças da Força Aérea Brasileira, mas a compra foi suspensa este ano pelo governo. Há ainda negociações de cooperação com a Petrobras, mas é no setor espacial que o governo russo vê uma importante vantagem competitiva. O programa do SGB pretende dotar o país de um sistema de satélites autônomo. Um satélite geoestacionário acompanha a órbita da Terra e, por isso, opera sempre acima de uma mesma região. Isso permite sua utilização a qualquer momento, ao contrário dos satélites que circundam o planeta. Hoje o país depende de satélites geoestacionários de empresas privadas estrangeiras, como Star One, subsidiária da Embratel, que é controlada pela mexicana Telmex. O SGB prevê o lançamento de três satélites, sendo o primeiro em 2009. Eles seriam usados para telecomunicações, meteorologia, controle de navegação e tráfego aéreo etc. Outro objetivo é dotar o Estado de um sistema de comunicação de informações confidenciais, como dados militares. Os satélites geoestacionários são estruturas de grande porte (duas ou mais toneladas), e poucos países/empresas possuem tecnologia para sua produção, lançamento e operação. Há poucos meses o Brasil contatou confidencialmente empresas e agências espaciais dos EUA, da União Européia, da Rússia e de Israel para pedir informações (Request for Information) sobre interesse e capacitação técnica para participar do programa SGB. Caso o governo autorize a execução do SGB, o que pode ocorrer até o final deste ano, seriam então pedidas propostas (Request for Proposal) às empresas/agências selecionadas. Para efeito da consulta, o programa é dividido em três partes - construção do satélite, lançamento e construção da base de operações em terra. Um dos argumentos de Moscou é que a agência espacial russa, Rosaviakosmos, é a única em condições de assumir as três áreas do projeto. A Rússia promete ainda transferência de tecnologia e capacitação de pessoal brasileiro, após a assinatura de um termo de salvaguarda tecnológica. Ainda durante a visita do presidente Lula, será oficializada a doação de duas peças para o Museu da Aeronáutica, em São José dos Campos. Trata-se de uma cópia do satélite Sputnik e um motor do lançador da nave espacial Soiuz. São gestos simbólicos com os quais Moscou espera incrementar a cooperação e fortalecer sua posição junto às autoridades brasileiras. O governo brasileiro vem tratando com discrição o SGB. Por enquanto, o programa está em fase de estudo nos ministérios da Defesa e das Comunicações. Como a formatação técnica final do projeto ainda não foi definida (no ano passado falava-se em dois satélites; agora, em três), não há uma projeção oficial de custo. Mas, segundo o Valor apurou, com base no pedido de informações encaminhado às empresas e agências estrangeiras, estima-se que só os contratos para construção dos satélites, lançamento e construção do centro de controle poderiam superar US$ 900 milhões. O valor final de US$ 1,5 bilhão foi estimado em reportagem do jornal "O Estado de S.Paulo", a partir de projeções feitas por uma empresa que participa da fase de especificação técnica do SGB. Além da questão comercial, há um interesse geopolítico da Rússia no negócio. Assim como o Brasil, o governo do presidente Vladimir Putin defende uma arquitetura multilateral da política internacional, em oposição a uma hegemonia americana. Por isso, Moscou não reluta em transferir tecnologia a parceiros estratégicos, como o Brasil. A tecnologia de veículos lançadores de satélite, por exemplo, pode ser usada para o desenvolvimento de mísseis.