Título: STF abre brecha para interferência
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2005, Política, p. A7

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Britto negou, ontem, pedido de liminar feito por cinco deputados do Partido dos Trabalhadores ameaçados de cassação de seus mandatos por figurarem como citados na apuração do mensalão. A decisão marcou o primeiro passo de uma batalha jurídica em que o Supremo definirá o destino de deputados envolvidos no "escândalo". Os deputados envolvidos são os petistas João Paulo Cunha (SP), José Mentor (SP), Josias Gomes (BA), Paulo Rocha (PA) e Professor Luizinho (SP). Como nem todos renunciaram logo após a decisão de Britto, o STF deverá ser chamado a analisar cada um dos processos de cassação. Apesar de ter fundamentado a sua decisão no princípio da separação de Poderes, pelo qual o Judiciário não deve interferir nos assuntos do Legislativo, Britto abriu um brecha importante aos ameaçados de cassação. O ministro diferenciou os casos que devem ser resolvidos internamente pelo Congresso de outros que merecem a intervenção do STF. Essa diferenciação é fundamental e deverá ser analisada pelos demais ministros no julgamento de José Dirceu, marcado para amanhã. Segundo Carlos Britto, as acusações contra deputados fundamentadas em artigos da Constituição serão reexaminadas pelo Supremo. Isso ocorrerá, explicou ele, pois o STF é o "guardião da Constituição". Logo, deve interferir nos processos administrativos da Câmara dos Deputados. Já os processos de cassação fundamentados apenas no Regimento Interno da Câmara, sem referências à Constituição, serão definidos pelo Conselho de Ética. Nestes, segundo Britto, o STF não deve intervir. "Tudo o que significar direta violação das autoridades do Parlamento a dispositivo constitucional é matéria 'externa corporis'", escreveu Britto em sua decisão. Ou seja, se a acusação contra deputado envolvido no "mensalão" estiver fundamentada no descumprimento a um artigo da Constituição, o Supremo irá intervir. O problema é que a Constituição possui 250 artigos e 48 emendas. Praticamente, todos os assuntos em discussão no país são constitucionais e, por isso, acabam no STF. O presidente do Supremo, ministro Nelson Jobim, já se manifestou a favor da revisão de processos internos do Parlamento pela Corte. Ele mandou a Câmara reiniciar processos sobre o "mensalão" para dar os prazos previstos pelo regimento para a defesa. Dos cinco deputados que tiveram o pedido negado por Britto, pelo menos um deles, João Paulo Cunha, irá recorrer. Ele pedirá a reanálise do pedido de suspensão do processo de cassação ao plenário do STF. Composto pelos onze ministros, o plenário também decidirá o destino do deputado José Dirceu. A principal discussão, no caso de Dirceu, é o fato de ele ser processado na Câmara por quebra de decoro parlamentar por fatos ocorridos quando era ministro de estado. São duas acusações distintas num processo só, resumiu um advogado do PT. Há a acusação contra Dirceu-parlamentar pelo suposto abuso de suas prerrogativas na Câmara. E existe a acusação por crime de responsabilidade, quando Dirceu era ministro da Casa Civil. Ambas tratam do "mensalão". Caberá ao STF dizer se supostos crimes cometidos por um ministro licenciado de seu mandato na Câmara podem constituir quebra de decoro parlamentar. O Supremo já decidiu contra e a favor da cassação de parlamentares. Ao analisar o caso dos deputados Talvane Guedes, em 1999, e Pinheiro Landim, em 2003, o STF concluiu que atos cometidos antes do mandato parlamentar podem constituir quebra de decoro. Já ao julgar a cassação de um vereador de Camamu, no interior da Bahia, o tribunal suspendeu a decisão da Câmara de Vereadores local. Os ministros concluíram que o processo estava viciado, pois os vereadores votaram com duas cédulas (uma para o "sim" e outra para o "não"). Assim, poderiam comprovar aos colegas como tinham votado. (Colaborou Thiago Vitale Jayme)