Título: Presos apóiam 'sim', mas querem acesso a armas
Autor: Cristiane Agostine
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2005, Especial, p. A12

Referendo Maioria descrê dos resultados da votação, mas recomenda que nunca se reaja a um assalto

Com uma arma no bolso em meio a um assalto enquanto dirigia seu carro, Antonio não teve dúvidas: entregou o veículo ao assaltante, sem reagir. "Vou falar o quê para ele : 'Pára que sou ladrão'? Ia reagir? Pra quê? Coisas materiais a gente vai conseguir, mas a vida não", pensou. Preso por latrocínio e assalto, Antonio já cumpriu 15 anos da pena de 28 anos na penitenciária de Franco da Rocha, região metropolitana de São Paulo. Sua primeira arma foi comprada de um investigador e ele diz não querer nunca mais ter uma arma. Durante duas semanas a reportagem do Valor conversou com 21 presos em duas penitenciárias de São Paulo - uma masculina, em Franco da Rocha, e uma feminina, no Tatuapé. Desses, 15 disseram que, se tivessem direito a voto, optariam pelo 'sim' no referendo de domingo. A grande maioria, no entanto, não quer abrir mão de portar armas ao deixar a prisão. Todos estão acompanhando o noticiário sobre o referendo na televisão. Colega de prisão, Carlos também foi assaltado e não reagiu. Mas não abre mão do que chama de "direito de legítima defesa" e diz que, para isso, é preciso saber usar bem uma arma. São os bandidos, diz, e não o cidadão comum, que têm o domínio da arma. Assim como Antonio e Carlos, os argumentos defendidos pelos presos ouvidos no presídio masculino de Franco da Rocha e no feminino, do Tatuapé, bairro paulistano, demonstram um íntimo conhecimento da questão em pauta no referendo. Dizem que a compra de armas ilegais é "muito fácil" e acusam a polícia de abastecer esse mercado. Em comum, os 21 presos ouvidos pela reportagem duvidam que o resultado poderá diminuir a violência e descrêem de mudanças em seu futuro a partir do referendo. A totalidade dos detentos a que a reportagem teve acesso é contrária até mesmo ao uso de armas de brinquedo por crianças. Dizem que é assim que a infância se inicia no crime. Condenada por tráfico de drogas, Marcia tem pavor de armas e acusa as pessoas que dizem que têm revólveres para se defender. Diz que o uso de armas deve ser privativo de policiais. A grande maioria tem relatos de convivência indiscriminada com armas, comum na periferia das grandes cidades. Sem acreditar na Justiça oficial, Gilberto, seqüestrador condenado a 66 anos, relata que já usou armas para defender seu patrimônio e família, antes de ir para a penitenciária pelos cinco seqüestros que cometeu. Tem verdadeira paixão por revólveres e já chegou a desmontar um e desenhá-lo para poder fazer o próprio modelo. Mas disse que também foi vítima de sua própria arma. Relata ter chegado tarde em casa um dia e ter sido ameaçado pela própria mulher, que o acusou de traição. Sem ostentar o "status" gerado com uma arma, como os presos ouvidos em Franco da Rocha, as detentas preocupam-se com o futuro que seus filhos terão caso aumente a criminalidade. Com duas condenações por assalto, Rosa relata que seu sobrinho de 15 anos comprou há pouco tempo uma arma por R$ 200, sem dificuldade, mas foi preso há duas semanas. Para ela, aumentará o número de crimes com arma branca, como facas. Descrente com o que vai acontecer depois que o resultado do referendo for publicado, Renata, presa por tráfico de drogas, acredita que a polícia também deveria ser desarmada. Se pudesse votar, diz que escolheria a opção "Não", assim como Rosa. "Deus me livre ensinar meu filho a atirar", afirma Roberto, casado e pai de uma criança. Condenado a 21 anos por assalto, está preso há nove, diz que os crimes mais bárbaros não foram feitos por ladrões e cita casos como o do "matador do shopping" e de Suzane von Richthofen, estudante de classe média alta acusada de matar os pais. Para Roberto, o referendo é uma forma de desviar a atenção dos problemas na política e acredita que o referendo pouco mudará a situação da venda de armas no país, pois o comércio continuará nas fronteiras. * Todos os nomes foram trocados