Título: INSS vai recadastrar aposentados em casa
Autor: Rodrigo Bittar
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2004, Brasil, p. A-3

O governo está disposto a fazer o recadastramento dos aposentados. Desta vez, o plano é ir à casa dos beneficiários mais idosos - e não convocá-los às agências -, fazer fotos e colher digitais para comprovar sua existência. O ministro da Previdência, Amir Lando, já começou a se reunir com entidades ligadas aos aposentados para definir uma estratégia de recadastramento menos traumática do que aquela tentada no ano passado, quando o então ministro Ricardo Berzoini (atual ministro do Trabalho) obrigou nonagenários a comparecerem às agências do INSS. "O recadastramento será feito com o maior respeito à cidadania", afirmou Lando. Em entrevista ao Valor, o ministro anunciou para breve a publicação de uma lista com os 300 maiores devedores da Previdência, cuja composição terá uma inovação em relação às listas passadas: só estarão na publicação empresas que não negociaram dívidas com o governo e que têm condições de pagar. Somente esse grupo responde por mais de R$ 50 bilhões do valor inscrito na dívida previdenciária ativa, estimada em R$ 193 bilhões. Amir Lando reconhece que alguns setores estão em dificuldades e precisam ser "legalizados" para que o déficit do INSS - que está em R$ 20 bilhões e deverá fechar o ano em R$ 29,7 bilhões - não fique ainda mais explosivo. Ele cita as entidades filantrópicas, as prefeituras, as associações esportivas, as empresas de mídia, de aviação e de agropecuária como as áreas mais críticas neste momento. A seguir, os principais trechos da entrevista. Valor: O governo vai retomar o projeto de recadastramento dos aposentados? Amir Lando: Nós buscamos construir, como fizemos no passado, uma parceria que é importante entre associações, sindicatos, aposentados e pensionistas, porque a Previdência nada mais é do que o gerenciamento de recursos que pertencem ao trabalhador. O nosso papel é gerir isso com competência, eficiência, correção e segurança. O problema é que nosso cadastro é cheio de defeitos. Faltam dados, referências para demonstrar inclusive a existência desses beneficiários. Não temos, por exemplo, um cadastro totalmente baseado no número do CPF. Precisamos aprimorar cada vez mais os nossos dados cadastrais para que eles retratem a realidade. Valor: Quando isso foi tentado no ano passado, deu problema, os aposentados tiveram que sair de casa, muitas vezes em cadeiras de roda, para se cadastrar. Lando: Isso será feito da melhor maneira, com o maior respeito à cidadania. A Previdência irá atrás dos beneficiários por meio de toda a nossa capilaridade e da estrutura dos nossos aliados, tirando fotos, colhendo digitais. É evidente que você não pode obrigar as pessoas a tirar fotografias, mas você pode colher as digitais. Vamos usar todos esses aspectos para que possamos trabalhar com rapidez e segurança. Devemos concluir o processo no ano que vem. Valor: Os aposentados não terão que ir às agências novamente? Lando: Esse processo vai ter a participação das associações de aposentados e estamos criando um grupo de trabalho (formado pelo Ministério da Previdência, INSS, Dataprev e associações) para tratar do assunto. Tudo isso mostra que estamos navegando no incontrolável, porque não se conhece a realidade. Tudo é muito grande: estamos falando de 24 milhões de benefícios neste ano, 8,5 milhões de aposentadorias. Valor: O senhor falou de defeitos do cadastro. Que defeitos são esses? Lando: Encontramos falhas em todos os aspectos, desde a identificação do beneficiário à situação das empresas em que eles atuaram, isso sem falar do endereço, da localização, da existência deles. Valor: E as falhas que são próprias do Dataprev? Lando: A modernização do Dataprev e da gestão da Previdência é fundamental, sem isso não vamos avançar. Hoje, conhecemos mais de 1,4 mil pontos de vulnerabilidade no sistema e o grande problema está no cadastro. Você tem condições de inserir no cadastro uma série de dados falsos, pode implementar benefícios fictícios. Além disso, temos um problema no pagamento dos débitos... Valor: Isso não é questão a ser tratada pela nova Secretaria de Receita Previdenciária? Lando: A Secretaria da Receita Previdenciária vai ajudar a controlar esse problema, mas sem a modernização do Dataprev, sem um programa mais seguro, mais eficiente e menos vulnerável você não pode fazer nada. O grande problema do sistema é a possibilidade de pessoas poderem entrar no comando sem deixar digitais. Valor: Como será o funcionamento dessa secretaria? Lando: Será mais ou menos no mesmo modelo da Secretaria da Receita Federal. Faremos um trabalho de muita integração de bancos de dados para que possamos realmente cobrar em tempo e não deixar que os débitos se acumulem. Depois de três meses de atraso, ninguém mais consegue recuperar o crédito. Valor: Programas especiais, como o Refis, ajudaram? Lando: O Refis é um recurso extremo, não podemos pensar nele a toda hora. Temos que trabalhar com a arrecadação em dia. Valor: Qual a dívida atual que as empresas têm com a Previdência? Lando: Temos cerca de R$ 193 bilhões inscritos na dívida ativa, sendo que quase a metade está equacionada. A outra metade é mais complicada, porque você tem alguns créditos que são verdadeiros micos; são de empresas que desapareceram ou não têm mais ativos para responder. Valor: Quando será divulgada a nova lista de devedores? Lando: Estamos fazendo um estudo com os 300 maiores devedores para saber o perfil, a estrutura dos créditos visando a viabilidade da cobrança. Possivelmente uns R$ 50 bilhões são irrealizáveis. Valor: A lista anterior foi abandonada? Lando: O grande problema daquela lista é que ela não é verdadeira, não faz a distinção de quem está com ação judicial em curso ou está com as dívidas inexigíveis. Queremos definir os 300 maiores devedores reais neste momento para saber onde está o gargalo, o foco do interesse. Esses devedores possivelmente ultrapassam a metade do valor inscrito na dívida ativa. Em 30 dias mais ou menos estaremos concluindo isso aí. A nova lista também vai ser periódica. Valor: Em que medida essa publicação ajuda no recolhimento de créditos? Lando: O grande problema é que há alguns setores em situação bastante crítica: as entidades filantrópicas, que tinham privilégios que foram eliminados - uns corretamente, outros não; entidades públicas, como prefeituras, Estados, empresas públicas; o desporto em geral, o que é muito maior do que só os times de futebol; empresas de mídia; de aviação; a agropecuária, que tem uma receita sazonal e fica em situação vulnerável no período de entressafra. Valor: O governo pretende criar políticas específicas para esses setores? Lando: Nós temos que legalizar o país, buscar mecanismos legislativos que tragam esses grupos para a formalidade, mas a partir de uma análise criteriosa. Não quero acenar com grandes benefícios, mas vamos tomar medidas que visem a reintegração desses setores. Valor: É decisão de governo? Lando: O presidente Lula não definiu nenhuma política nesse sentido, mas estamos exatamente analisando medidas para evitar que se estabeleça um vácuo entre a Previdência e esses setores, e esse vácuo às vezes se torna irrecuperável. Valor: A desoneração da folha de pagamento não ajudaria? Lando: Tem algumas atividades na desoneração da folha que eu diria que são uma diversificação da conta tributária. Ao invés de se cobrar apenas sobre a folha - e penalizar a empresa que tem muita mão de obra e uma pequena renda - você pode desviar uma parte para a receita da empresa. Valor: Qual a dificuldade para definir essa desoneração? Lando: Há um processo e vamos trabalhar isso a partir da Secretaria da Receita Previdenciária, que vai fazer estudos específicos para encontrar um ponto de equilíbrio, porque você não pode simplesmente substituir uma folha que arrecada "xis" por um outro tributo que vai arrecadar menos, elevando o déficit. Valor: Muitos especialistas dizem que a qualidade do ajuste fiscal depende de uma nova rodada de reformas na Previdência, o que o senhor pensa sobre isso? Lando: Quero primeiro exaurir o quadro legal atual, extrair da lei toda a amplitude dela na área social. Antes de pensar em mudar a lei, eu tenho que avançar muito no combate às fraudes, reduzir desperdícios, ser mais rígido na concessão de benefícios. Valor: Isso basta? Lando: Esse é o quadro legal que me é dado e eu não faço qualquer crítica, não tenho opinião formada sobre esse assunto. O grande problema é a diferença entre o que está na lei, o que deve ser feito e o que se faz. Eu estou apostando que a melhoria na gestão possa economizar muito em termos da Previdência Social. Nós temos alguns dados preocupantes, no Rio de Janeiro, por exemplo, cerca de 11% dos benefícios concedidos são fraudulentos, o que envolve 23% dos valores dos recursos pagos. Então é muito melhor apostar na melhoria da gestão do que mudar a lei neste momento. Valor: Quando a Superintendência de Previdência Complementar será criada? Lando: Isso está praticamente pronto no governo. O projeto já percorreu algumas voltas e hoje (quinta-feira) eu encaminhei o projeto para a Casa Civil com as modificações. O modelo de referência será a Susep e a nossa proposta é de que a superintendência tenha quatro diretorias: de Administração, de Atuária, de Análise Econômica e Social, e de Regulação das Atividades. Valor: Qual será o papel da Secretaria de Previdência Complementar no setor? Lando: A Secretaria de Previdência Complementar terá um caráter meramente normativo, mais para que o setor tenha um vínculo (com o governo) e a agência não fique solta. A superintendência precisa de autonomia, precisa de estrutura para fiscalizar mais - até porque não podemos frustrar a expectativa que existe em torno da previdência complementar no país. Valor: O senhor é um dos dois ministros da cota do PMDB no governo Lula. Acha que o resultado das eleições vai mudar a relação do seu partido com o governo? Lando: A democracia sempre buscou a divisão e o equilíbrio de poder e esse equilíbrio de forças é saudável. O PMDB está participando do governo e propiciando a governabilidade e acho difícil que o partido decidisse sair para gerar um impasse de governabilidade. Nesse momento, o PMDB se credencia como um parceiro de densidade. É evidente que circunstâncias paroquiais geram uma tensão localizada, mas não têm o poder de se expandir por todo o partido. Eu tenho certeza que o PMDB quer mais engajamento.