Título: Governo recua e aceita subsídio cruzado no saneamento
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2004, Brasil, p. A-3

Embora irredutível quanto à estrutura central do anteprojeto de lei submetido a audiência pública, o governo promoverá novos ajustes em sua proposta de marco regulatório para o setor de saneamento. Um dos pontos a serem alterados diz respeito aos subsídios tarifários. A idéia de proibir subsídios cruzados entre municípios que não façam parte de um mesmo consórcio público ficou para trás, garante o secretário Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Abelardo de Oliveira Filho. Segundo ele, o novo texto deixará claro que, independente de associação, municípios com excedente tarifário poderão, se quiser, repassar parte ou todo esse excedente para cidades cuja tarifa de água e esgoto não é suficiente para custear os serviços. Abelardo reconhece que o texto atual acabaria com a possibilidade de subsídios cruzados num prazo de cinco anos, exceto entre cidades que se unissem para fazer gestão associada dos serviços. A formação de consórcios entre prefeituras para prestar serviços de saneamento básico está prevista em outro projeto de lei, já em tramitação no Congresso. Mesmo com o recuo do governo nesse ponto, o futuro marco regulatório promoverá mudanças significativas em relação ao atual sistema de subsídios cruzados. "Haverá necessidade de total transparência", afirma o secretário. Hoje, critica ele, a grande maioria das empresas de água e esgoto não dá qualquer satisfação sobre o volume, a utilização e o destino do excedente resultante da cobrança de tarifas em cidades superavitárias. Os cidadãos dos municípios que subsidiam cidades pobres não sabem quanto dão de subsídio nem a quem, diz o secretário. Pela nova proposta, a existência de subsídios cruzados dependerá, em primeiro lugar, da autorização expressa dos municípios superavitários para repasse do respectivo excedente tarifário. "É o mínimo", afirma. Ele prevê que isso fará com que os municípios atendidos por uma mesma empresa busquem algum tipo de convênio ou acordo entre si, induzindo à gestão associada. Ele cita como exemplo positivo a relação entre a prefeitura de Belo Horizonte e a Copasa, empresa controlada pelo governo de Minas Gerais. Lá, houve um acordo para que parte do excedente seja reinvestido na própria capital e o restante ajude a custear os serviços em municípios pequenos. No geral, porém, Abelardo critica os atuais procedimentos das empresas estaduais, principais opositoras do projeto de marco regulatório do Ministério das Cidades. "Dizem que praticam subsídio", afirma. "Mas ninguém sabe, ninguém viu." Um dos principais alvos de questionamento da Aesbe, associação que representa as companhias estaduais, é a situação dos pequenos municípios, onde, em geral, os serviços são deficitários. A entidade teme que, se não for substancialmente alterado, o projeto do governo levará municípios grandes e superavitários a dispensar as empresas estaduais e prestar os serviços sozinhos ou contratando operadores privados. Sem o subsídio dos grandes, viabilizado e operacionalizado pelas empresas estaduais e suas tarifas regionais, os pequenos e mais pobres sairiam prejudicados, prevê a Aesbe. O Ministério das Cidades, coordenador do grupo interministerial encarregado de redigir a proposta, está trabalhando para que a nova versão do anteprojeto do marco regulatório do saneamento esteja pronta para ir ao Palácio do Planalto no início de dezembro. Até lá, diz o secretário, novos ajustes podem ser feitos, pois o grupo ainda não terminou de analisar as cerca de 550 sugestões de mudança feitas por e-mail, durante o processo de audiência pública na internet. Abelardo descarta, porém, qualquer possibilidade de o governo aceitar alterações que desfigurem o projeto. "Houve muita proposta atacando as linhas mestras. Vamos aceitar apenas as verdadeiras contribuições de aperfeiçoamento", avisa. Segundo ele, isso significa não incluir no projeto qualquer dispositivo que tire dos municípios, ainda que parcialmente, a titularidade dos serviços e, com ela, o poder de decidir como e quem fará o abastecimento de água e a coleta de esgoto. "Esse é um princípio constitucional que somos obrigados a respeitar", diz . A Aesbe, porém, tem outra interpretação sobre o que manda a Constituição. Com base no artigo que dá aos Estados poder de criar regiões metropolitanas para integrar funções públicas de interesse comum, a associação entende que os governos estaduais também têm direito de decidir sobre a prestação dos serviços nas regiões metropolitanas e em qualquer região onde os sistemas sejam integrados e abranjam mais de uma cidade. Pelo projeto do governo federal, mesmo em sistemas integrados, os municípios podem se organizar e se associar sem a interferência dos governos estaduais.