Título: Aftosa abate economia de Eldorado
Autor: Marli Lima e Mônica Scaramuzzo
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2005, Agronegócios, p. B13

Crise Sanitária Barreiras a outros produtos agropecuários paralisa a "capital da melancia"

Em Eldorado (MS), onde foi confirmado um foco da febre aftosa no dia 10, há dez bois para cada habitante. Segundo o IBGE, em 2002 havia 109 mil bovinos e 11 mil moradores. Do PIB de R$ 79,5 milhões daquele ano, R$ 33,6 milhões referiam-se à agropecuária. A expectativa, portanto, é de muitos prejuízos. "A situação está crítica. Ninguém compra e ninguém vende nada", disse, em entrevista por telefone, um empresário local. "Além de bois, outros produtos como leite e melancia podem ser impedidos de sair daqui e vai ficar todo mundo sem dinheiro", disse outro comerciante. "Está todo mundo apavorado", confirmou a prefeita Mara Caseiro (PDT). Com mais de 500 hectares plantados, Eldorado ostenta o título de capital da melancia, por ser a maior produtora do Estado. A colheita, que em 2005 será menor (12 mil toneladas), deverá começar esta semana. A confirmação de que as vendas agrícolas do município enfrentarão problemas veio na sexta, quando o Paraná proibiu não só o ingresso de animais e subprodutos do Estado vizinho, como também a entrada de vegetais, partes de vegetais e subprodutos in natura que transitem por Itaquiraí, Iguatemi, Japorã, Mundo Novo e Eldorado, as cinco cidades que mais sentem os efeitos econômicos da descoberta da aftosa. "Um frigorífico [Boifran], maior empregador da cidade, deu férias coletivas para seus 600 funcionários e 250 famílias que vivem da produção de leite estão impedidas de trabalhar", contou a prefeita. Segundo ela, a pecuária leiteira e de corte representa mais de 50% da economia de Eldorado. As notícias sobre a aftosa interferem, ainda, no consumo da população. Nelson Guerreiro, dono de um supermercado em Japorã, onde também há suspeita de aftosa, disse que deixou de vender carne. Embora pequena, Eldorado já havia ganho destaque na imprensa nacional em 2005. Em maio, Receita Federal e Polícia federal desencadearam a "Operação Hidra", de combate ao contrabando de eletroeletrônicos, pneus, cigarros e outros produtos do Paraguai. Na ocasião foram expedidos 90 mandados de prisão no Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo, e a polícia informou que a quadrilha era liderada pela família Balan, de Eldorado. Agora, o foco está nas possíveis origens da aftosa. Fala-se em uso do esterco do frigorífico em pastos das fazendas, em gado de capatazes sem o mesmo cuidado dos bois dos donos, em compra de animais do Paraguai, em vacinação inadequada, em falta de fiscalização do governo. Luiz Henrique Vezozzo, um dos donos da fazenda onde o foco foi encontrado, afirmou ao Valor que nenhuma das hipóteses será confirmada em sua propriedade, e já há informações extra-oficiais de que houve vacinação em sua propriedade e que o subtipo do vírus encontrado é conhecido. Segundo Vezozzo, que afirma acreditar "em fraude de qualquer natureza", o governo não está dando valor "à investigação da causa". A família Vezozzo tem propriedade em Eldorado há quatro décadas. Na fazenda de 300 alqueires, 90 estavam ocupados pela pecuária. Em tom crítico, mas com as garras menos afiadas para a equipe econômica do governo, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, disse na sexta-feira, em Piracicaba (SP), que o governo federal está se empenhando para não arranhar a imagem do Brasil no exterior em virtude da aftosa. "Tínhamos neste ano o maior orçamento para defesa sanitária dos últimos dez anos, de R$ 169 milhões. Com o contingenciamento (...), tivemos um corte de 80% do orçamento, para R$ 37 milhões. Recuperamos boa parcela disso, em negociação com a Fazenda, passando para R$ 91 milhões. Deste total, R$ 50 milhões foram empenhados. Mas esses recursos não são somente para aftosa. São para gripe aviária, peste suína, sigatoka negra, greening (...)". Ele lembrou que outras áreas dos agronegócios enfrentam grave crises. "Estamos no fundo do poço, mas vamos atravessá-lo. Vou trabalhar nisso cada segundo, cada minuto, cada hora em que eu estiver no Ministério da Agricultura". E reiterou, enfim, que não pretende sair do governo.