Título: "Não há precedentes para o julgamento"
Autor: Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2005, Política, p. A6

O advogado criminalista José Luís de Oliveira Lima está no centro de uma das disputas políticas mais importantes do ano. Cabe a ele defender o deputado José Dirceu (PT-SP) junto ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e ao Supremo Tribunal Federal. A decisão sobre a suspensão ou não do processo de cassação movido contra Dirceu será tomada hoje pelo STF e deverá servir como paradigma para todos os casos futuros envolvendo parlamentares em pelo menos três pontos cruciais. Primeiro porque os ministros do STF irão definir se Dirceu, no exercício do cargo de ministro de estado, pode ser processado por quebra de decoro parlamentar. O Supremo já decidiu em dois casos anteriores (envolvendo os deputados Pinheiro Landim e Talvane Guedes) que atos anteriores ao mandato parlamentar podem ser levados em consideração para a análise do decoro. Mas, o caso de Dirceu não é igual. Ele ocupava o cargo de ministro da Casa Civil, licenciado da função de deputado, no período em que o acusaram de operar o esquema do mensalão. Em segundo lugar, a decisão do STF terá uma conseqüência política importante ao definir os limites de interferência do Judiciário nos processos internos do Legislativo. O Supremo poderá deixar os processos de cassação para a Câmara resolver internamente, ou firmar a posição de que irá intervir sempre que achar necessário. E, por fim, o STF poderá sinalizar, no julgamento de Dirceu, o destino de outros deputados envolvidos no escândalo do "mensalão". Ao todo, 11 deputados aguardam a decisão de hoje envolvendo Dirceu para traçarem suas estratégias pessoais de defesa. Oliveira Lima explorou muito, ontem, em seu pronunciamento no Conselho de Ética, a tese de que a prova testemunhal é prova, e não indício, para ressaltar a inocência do seu cliente que conta com os depoimentos favoráveis de deputados importantes, como o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, e o ex-ministro Eduardo Campos. A denúncia contra Dirceu surgiu também de uma prova testemunhal, o depoimento do ex-deputado Roberto Jefferson. Sócio do escritório Oliveira Lima Filho, Oliveira Lima e Hungria, advogado conhecido em São Paulo, próximo a figuras importantes do PT (ele foi casado com a jornalista Monica Dallari, atual mulher do senador Eduardo Suplicy e filha do jurista Dalmo Dallari que tem influência no partido) e do PSDB (é sobrinho do jurista José Carlos Dias, que foi ministro da Justiça no governo FHC), ele não concorda com as constatações de que está fazendo uma defesa agressiva, com recursos sucessivos ao Supremo e às comissões da Câmara e com reclamações contra pré-julgamento sobre o seu cliente. "Seria bom que um jornalista sentasse no banco dos réus para ele verificar como tem que usar o direito de defesa dele", afirmou Oliveira Lima, quando questionado sobre a estratégia de defesa. A seguir os principais trechos da entrevista ao Valor. Valor: A estratégia de defesa de José Dirceu não está sendo muito agressiva? José Luís de Oliveira Lima: De maneira alguma. Valor: Mas, ele está querendo impedir até a leitura do relatório do processo de cassação na Câmara. Oliveira Lima: Estão dando uma importância a essa petição que ela não existe. Pedimos para que o STF suspendesse somente a leitura do relatório para que o trabalho da Câmara não seja em vão. Valor: Como assim? Oliveira Lima: O recurso teve apenas o sentido de evitar todo um trabalho do relator, de a gente fazer a defesa, se amanhã (hoje) o Supremo conceder a liminar e sustar todo o processo. Valor: Mas, no todo da defesa, o Dirceu reclama insistentemente de pré-julgamento... Oliveira Lima: Aí, é um fato. A carta de Dirceu expõe o que ele tem colocado de que há um pré-julgamento que ocorre pela imprensa e por uma parcela dos parlamentares. Enfim, a carta é explicativa. Valor: Por isso, há essa insistência em recorrer? Oliveira Lima: Eu só tive uma medida do Supremo e outra que entramos subsidiariamente. É preciso ter claro o seguinte: seria bom que um jornalista sentasse no banco dos réus para ele verificar como tem que usar o direito de defesa dele. Só quando se está sendo acusada é que a pessoa entende o verdadeiro sentido do direito de defesa. O que estamos fazendo desde o início é lutar para que o deputado José Dirceu tenha um julgamento dentro dos limites da lei. Valor: Então, na opinião de vocês não há excesso? Oliveira Lima: Para que seja respeitado o estado democrático de direito. E que ele tenha o direito de se manifestar. Valor: E, pelo processo que correu até agora na Câmara, esse direito não foi cumprido? Oliveira Lima: Não estou dizendo isso. O que eu acho é que algumas questões no procedimento no Conselho de Ética foram equivocadas, como a inversão da prova. Primeiro, ouviram a testemunha de defesa e, depois, a de acusação. Isso vai ser alegado no momento oportuno. Valor: O fato de alguns deputados não renunciarem facilitou a vida de Dirceu, na medida em que ele não será o único a enfrentar o processo de cassação? Oliveira Lima: Não, isso eu não opino. Sou advogado e não tenho que dar opinião política. De política eu não entendo nada. Valor: Qual a sua expectativa para amanhã (hoje)? Oliveira Lima: Estou esperançoso. Confio na serenidade e tranqüilidade do STF. Valor: O que lhe traz essa confiança? Oliveira Lima: A capacidade intelectual de todos os ministros. Valor: A tese principal é que Dirceu não era parlamentar, mas ministro. E, portanto, não poderia ser acusado por quebra de decoro parlamentar. O STF já decidiu alguns casos por quebra de decoro contra parlamentares que não ocupavam o cargo na época dos supostos crimes, como Pinheiro Landim e Talvane Guedes... Oliveira Lima: Não. Não temos decisões. Não há nenhum precedente do STF para esse caso. As decisões que foram mencionadas pelo parecer da Câmara são de casos diferentes ao do Dirceu. Valor: Então, será uma decisão absolutamente inovadora? Oliveira Lima: Exatamente.