Título: Relator diz que Dirceu é 'autor intelectual ' de corrupção e sugere perda de mandato
Autor: Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2005, Política, p. A6

Em voto extenso, detalhado, considerado demolidor e muito contestado pelo deputado José Dirceu (PT-SP), o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) pediu ontem, à Comissão de Ética da Câmara, a cassação do ex-ministro-chefe da Casa Civil por quebra de decoro parlamentar. Nas 50 páginas do voto lido na tarde de ontem, o parlamentar mineiro elencou inúmeras evidências de participação de Dirceu no possível esquema de pagamento de mensalão a aliados, de relacionamento comprometedor com os bancos Rural e BMG e próximo com Marcos Valério de Souza, tido como operador financeiro do PT, e procurou demonstrar a ascendência do deputado sobre o PT e sua cúpula mesmo depois de deixar a presidência do partido. Depois da leitura do voto, a deputada Ângela Guadagnin (PT-SP), combinada com Dirceu, pediu vista do processo. A intenção da defesa do deputado é evitar a votação no Conselho de Ética antes que o Supremo Tribunal Federal se pronuncie em mandato de segurança impetrado por Dirceu para suspender seu processo na Câmara. O parecer de Júlio Delgado será votada pelo conselho na manhã de sexta-feira. Delgado foi bastante incisivo quando relatou a ligação de Dirceu com todos os acusados de planejar o esquema de pagamento de mensalão. "A denúncia que chegou a este Conselho é de que o grande arquiteto deste espetáculo de corrupção seria o poderoso homem forte do governo e principal comandante do PT, deputado José Dirceu de Oliveira e Silva. A lógica humana nos permite, através do acúmulo de evidências irrefutáveis, afirmar que o deputado José Dirceu tinha poderes para ser o autor intelectual de todo este esquema ou, pelo menos, poderes suficientes para impedir que tais práticas prosperassem", disse. E completou: "A Câmara dos Deputados, inegavelmente, curvou-se a um esquema de corrupção ardilosamente arquitetado com o intuito de manipular a atuação de bancadas e partidos. É lastimável". O presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar, gostou do voto, definindo-o como "detalhista". Entre os parlamentares, até a oposição analisou que Delgado foi muito duro com Dirceu, já abatido e apelando a todas as estratégias para manter o cargo. Antes do voto de Delgado, falaram o próprio Dirceu e seu advogado, José Luis Oliveira Lima. O defensor do deputado manteve a tese de falta de provas contra seu cliente. Lembrou da importância das provas testemunhais em favor do parlamentar. "O depoimento do presidente da Câmara não vale nada?", disse, ao referir-se ao deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), testemunha de defesa de Dirceu. Lima procurou mostrar aos integrantes do Conselho de Ética que todos as testemunhas inocentaram o deputado de qualquer participação no esquema de mensalão. Ao dar importância à prova testemunhal, a defesa do advogado recebeu ressalvas de parlamentares, já que a principal prova contra Dirceu também é testemunhal, o ex-deputado Roberto Jefferson, cassado pelo plenário da Câmara. Dirceu votou a negar todas as acusações. "Não sou corrupto e nunca fui. O relatório diz que foi organizado no governo um esquema de corrupção. Eu repilo", afirmou. Depois do pronunciamento de Dirceu, Delgado iniciou a leitura do voto, em que faz cruzamentos de telefonemas, saques, votações e encontros do denunciado com os personagens principais da crise. "Mesmo na função de chefe da Casa Civil, ele (Dirceu) não perdeu, como disse, os contatos e nem o controle do comando do PT. Desenvolveu, nos trinta meses que esteve no governo, uma agenda privilegiada com as pessoas envolvidas no escândalo de corrupção que levou à instalação de três CPIs no Congresso", escreveu. Delgado refuta argumentação apresentada por Dirceu, pela qual atos cometidos durante a ocupação do posto de ministro de Estado não podem ser julgados pelo Conselho de Ética ou não haveria necessidade de obedecer às determinações do Código de Ética da Câmara no tocante ao decoro parlamentar. Tal tese foi apresentada por Dirceu em mandado de segurança protocolado no Supremo Tribunal Federal (STF) a ser julgado hoje. Delgado lembrou relatório apresentado pela consultoria jurídica da Câmara na qual há entendimento de que o ministro mantém o cargo e, conseqüentemente, a obediência às normas da Casa. Com a comprovação do vínculo de Dirceu com a Câmara, Delgado apontou um desrespeito cometido pelo deputado quando ocupou, em janeiro de 2003, cargo no Conselho Administrativo da Petrobras com direito à remuneração. Segundo a Constituição, parlamentares não podem "aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado" em "autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público". Outro ponto destacado do relatório foram os benefícios obtidos pela ex-mulher de Dirceu, Ãngela Saragoça. Rogério Tolentino, sócio de Valério, comprou um apartamento dela e, em seguida, o Banco Rural lhe emprestou R$ 42 mil. Nessa mesma época, ela foi contratada pelo BMG para trabalhar na área de recursos humanos. "Bastou que a senhora Ângela Saragoça pedisse ajuda ao ex-marido para que em aproximadamente três meses sua vida desse uma volta de cento e oitenta graus, ficando, pelo menos financeiramente, resolvida", disse Delgado. "Diante da participação de Marcos Valério nesses episódios da vida particular do senhor José Dirceu, é inconteste a proximidade entre ambos", afirmou Delgado. Dirceu definiu o voto de Delgado como "de má-fé". "O voto continua na linha de arrumar uma prova para me cassar. Retoma alguns temas mas omite alguns pontos", afirmou o deputado. "O conselho tem um problema: aprovou o relatório do deputado Jairo Carneiro sobre o caso do Roberto Jefferson, que concluiu que o mensalão não existia e pediu a cassação do deputado por denúncia sem provas. Agora, querem me cassar por conta do mensalão, que dizem que não existiu", disse Dirceu. O deputado vai divulgar hoje um contra-voto, no qual prometeu rebater ponto-a-ponto todas as acusações feitas por Delgado.