Título: Dívida milionária ameaça UTIs
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 28/04/2010, Cidades, p. 30

SAÚDE

Para cobrar R$ 56 milhões que o GDF não pagou, hospitais particulares ameaçam deixar de internar pacientes da rede pública

O GDF tem uma dívida de R$ 56 milhões com os hospitais particulares e, diante do atraso no pagamento, a rede privada ameaça parar o atendimento a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). O valor milionário se acumulou ao longo dos últimos dois anos, período em que o governo não repassou os recursos devidos por internações em leitos de UTI das unidades particulares. Agora, os empresários do setor pressionam o GDF a quitar os débitos e recorreram até ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Em reunião com representantes das clínicas privadas ontem de manhã, o governador Rogério Rosso (PMDB) prometeu encontrar uma solução para esse impasse.

Todos os dias, as unidades particulares de saúde recebem cerca de 100 pessoas cujas contas são pagas pelo SUS(1). Cada leito de UTI na rede privada custa, em média, R$ 1 mil. Nesse valor estão incluídos gastos com honorários médicos dos intensivistas, medicamentos e material hospitalar. Se o paciente estiver em estado muito grave e o caso exigir maiores investimentos, a conta pode ser ainda maior. Com base na média de pessoas internadas diariamente, é possível estimar os gastos mensais do GDF com a terceirização de leitos de UTI em pelo menos R$ 3 milhões.

A falta de investimentos para equipar a rede pública é uma das causas do deficit de leitos nos hospitais do SUS no Distrito Federal. O Hospital de Base, por exemplo, deveria ter 80 leitos de UTI, mas a central que recebe pessoas em estado grave possui apenas 32 vagas. A realidade se repete em todos os hospitais públicos da cidade e, diante do deficit de leitos, muitos brasilienses precisam recorrer à Justiça para conseguir uma internação. Para cumprir essas decisões judiciais, a Secretaria de Saúde manda pacientes para hospitais privados.

O promotor de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários de Serviços de Saúde, Diaulas Ribeiro, critica o atraso no repasse dos pagamentos aos hospitais particulares e ataca o que chama de ¿judicialização da saúde¿. Ele enviou um ofício à Secretaria de Saúde e ao novo governador pedindo informações sobre as providências que serão tomadas para resolver o problema. ¿A Justiça manda os pacientes para a UTI na marra, isso é internação compulsória. Na prática, isso representa um confisco, o que é proibido pela Constituição¿, critica Diaulas. ¿A Justiça manda bloquear leitos de hospitais e depois manda o GDF pagar a conta, quando e como quiser. Isso é um absurdo, é preciso acabar com essa indústria das UTIs privadas¿, cobra.

Negociações Só uma clínica no Lago Sul tem R$ 9 milhões a receber do GDF. O Sindicato dos Hospitais Privados alega que esses valores são muito altos para as finanças de unidades de pequeno porte e que o atraso no pagamento pode levar o setor à quebradeira. A gerente-executiva da entidade, Daniele Feitosa, diz que os hospitais particulares têm interesse em manter os contratos com o governo, mas cobra pressa do GDF para uma solução definitiva. ¿Não temos nenhuma objeção na continuidade da parceria com o governo. Só queremos receber pelos atendimentos prestados¿, explica a representante do setor. ¿Depois de uma reunião, o governador nos prometeu um imediato levantamento das dívidas para pagamento¿, conta Daniele.

Para o promotor de Defesa dos Usuários do SUS Jairo Bisol, é preciso investir nos hospitais públicos para minimizar a dependência da rede privada. ¿O governo tem que multiplicar os leitos públicos de UTI, com contratação de pessoal e compra dos equipamentos necessários. Já está mais do que comprovado que a privatização da saúde não é o caminho¿, defende Bisol.

Em nota, a Secretaria de Saúde informou que, por determinação do governador, foi criado um grupo de trabalho que fará auditoria em todos os contratos com os hospitais particulares. O grupo inclui representantes da Secretaria da Fazenda e da Corregedoria Geral do DF. ¿Até o resultado final dessa auditoria, a Secretaria de Saúde não vai se pronunciar¿, diz a nota.

1 - Recursos públicos O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado em 1988,pela Constituição Federal.

O objetivo principal é garantir acesso à saúde de forma integral, universal e gratuita para toda a população do país. O SUS abrange desde os simples atendimentos ambulatoriais até os procedimentos mais complexos, como os transplantes de órgãos.

Setor terá pacote de medidas

Noelle Oliveira

No segundo dia seguido despachando do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), o governador Rogério Rosso (PMDB) divulgou ontem um conjunto de ações para tentar melhorar a rede pública de Saúde do Distrito Federal. Entre as medidas adotadas, o chefe do Executivo local assinou um decreto em que qualifica a Cruz Vermelha como organização social para trabalhar ao lado do GDF em duas Unidades de Pronto Atendimento (UPA), uma em São Sebastião e outra no Recanto das Emas.

A previsão é que as unidades comecem a funcionar em dois meses. Toda a parte de equipamento e de pessoal será de responsabilidade da própria organização social. Cerca de 500 pessoas devem ser atendidas, por dia, em cada uma das unidades. ¿Serão atendimentos que vão deixar de sobrecarregar os hospitais. Caberá à Cruz Vermelha a responsabilidade de operar e prestar o serviço¿, afirmou Rosso. Entre as especialidades atendidas pelas unidades estarão clínica médica, ortopedia, pediatria e ginecologia.

O governador anunciou ainda que dará autonomia financeira para os hospitais e as regionais de Saúde. O objetivo é que problemas emergenciais e pontuais possam ser resolvidos ser ter que passar por trâmites burocráticos ou que exijam a aprovação da Secretaria de Saúde. Rosso fixou um prazo até sexta-feira para que um grupo de trabalho formado por profissionais do governo avalie como funcionará o novo modelo e apresente as sugestões para as regras de implementação. ¿Cada regional e hospital terá um suprimento de fundos para que possa ter autonomia em sua gestão, sem que tenha que esperar¿, disse Rosso.

O grupo será coordenado pela secretária-adjunta de Planejamento, Orçamento e Gestão, Jozélia de Medeiros, e conta com as secretarias de Saúde e Fazenda, além da Corregedoria-Geral do DF. Ainda no pacote de medidas emergenciais anunciadas estão a nomeação de 728 profissionais da Saúde para atuar nas áreas de apoio e atendimento da rede pública e a convocação imediata de 250 agentes comunitários de Saúde (leia quadro ao lado).

As medidas

Confira a lista das medidas emergenciais anunciadas para a rede pública de Saúde do DF

Duas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), uma em São Sebastião e outra no Recanto das Emas. A previsão é que as unidades comecem a funcionar dentro de dois meses.

Autonomia financeira para os hospitais e regionais de Saúde, a fim de que problemas emergenciais possam ser resolvidos sem a necessidade de autorização da Secretaria de Saúde. A medida inclui compra de pequenas quantidades de medicamentos, bem como consertos de equipamentos.

Início do funcionamento do laboratório do Hospital Regional de Taguatinga.

Inauguração da subestação de energia do Hospital Regional de Sobradinho.

Funcionamento do pronto-socorro obstetrício e da central pediátrica do Hospital Regional do Gama.

Distribuição de 700 bicicletas com palmtops para os agentes do Programa Saúde na Família.

Inauguração da unidade de odontologia do Hospital Regional da Asa Sul.

Prazo de 10 dias para o início do funcionamento, após a reforma, da farmácia de alto custo na estação do Metrô da 102 Sul.

Nomeação de 728 profissionais da Saúde para apoio e atendimento na área da Saúde.

Convocação imediata de 250 agentes comunitários de Saúde.

Aceleração dos procedimentos de informatização da rede pública de Saúde. Atualmente, 35% já estão informatizados. A meta é que os trabalhos sejam concluídos até o fim do ano.

Maternidade restringe partos A quantidade de partos realizados no Hospital Regional da Asa Sul (Hras) foi reduzida em 30% devido à grande incidência de infecções na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal. A medida foi tomada pela direção do hospital após a Comissão de Infecção Hospitalar do Hras detectar que, apenas na primeira semana de abril, 42% dos recém-nascidos tinham colonização de alguma bactéria ¿ quando a criança apresenta a bactéria em seu corpo, mas não desenvolve a doença. O índice já caiu para 30%. O aceitável, no entanto, é uma taxa de 10%. Apenas esse mês dois bebês foram infectados no hospital ¿ outros três também ficaram doentes desde o início do ano.

¿Normalmente realizamos em torno de 20 partos por dia, hoje estamos fazendo 14. Restringimos, mas não temos como parar todo o atendimento. Assim que nossos controles indicarem que foram reduzidas as ocorrência de colonizações, retomaremos a totalidade dos partos¿, explicou o diretor do Hras, Alberto Henrique Barbosa.

Com a nova medida, apenas casos de urgência ¿ quando mãe ou criança correm riscos ¿ estão sendo atendidos na maternidade do hospital. Caso contrário, as gestantes, após passarem por consulta e uma pré-avaliação, são encaminhadas para os hospitais das regiões administrativas onde moram ou algum outro mais próximo, como o Hospital Regional da Asa Norte (Hran).

Foi o que aconteceu com a agente de saúde Suelen Francisca das Neves, grávida de nove meses. Ela chegou ao Hras por volta das 16h de ontem sentindo fortes contrações. Desde as 4h, procurava um hospital para ter o bebê. No Hras, após cerca de 40 minutos de consulta, a gestante recebeu a notícia de que deveria se deslocar para o Hran ou para Taguatinga. ¿Eu não sei o que faço, nem para onde vou¿, afirmou. O pai da criança resolveu se dirigir para Luziânia (GO). ¿Por aqui não vamos procurar mais não¿, indignou-se o técnico de telefonia Arian Justino.

Com o parto previsto para a terça-feira próxima, a secretária Deusilene dos Santos Sousa chegou assustada ao Hras para realizar os últimos exames antes do nascimento do filho. Ela e o marido, o empresário Ronan Rodrigues, haviam planejado ter o bebê no hospital. ¿Agora nem pensar, não vamos nem tentar passar por aqui. Vou dar um jeito de pagar um hospital particular¿, afirmou o pai da criança.

A maternidade do Hras é especialista em receber bebês prematuros e gestações de risco. De acordo com o secretário de Saúde do DF, Joaquim Barros, o problema já foi contornado e a previsão é de que o atendimento seja normalizado até a próxima semana. ¿Estamos trabalhando para voltar a atender a nossa capacidade máxima. Todas as medidas necessárias já foram tomadas. Esse tipo de infecção é normal, em qualquer hospital do mundo, mas atuamos sempre para evitar essas ocorrências¿, explicou. (N.Oliveira)