Título: Presidente entra na negociação para apaziguar Congresso
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2004, Política, p. A-6

A retomada das votações no Congresso exigirá um esforço hercúleo do governo federal. O ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, está ciente do grau das dificuldades e compara a recomposição da base aliada a um pós-guerra. "As eleições exerceram sobre os partidos o mesmo efeito de uma batalha sobre o Exército. Mesmo que haja vitoriosos, há uma desorganização nas fileiras, é preciso curar os feridos e enterrar alguns mortos, mas isso está em pleno curso", afirmou ao Valor. Há outro movimento simultâneo e necessário, diz o ministro: "Temos que retomar o diálogo e a negociação com a oposição". Só depois, admite, haverá condições políticas para o Congresso funcionar. Para recompor esse exército de aliados em pleno curto-circuito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participará pessoalmente do diálogo com a base para assegurar a votação de pelo menos quatro projetos até dezembro: no Senado, o das Parcerias Público-Privadas; na Câmara, a Lei de Falências, a Lei de Biossegurança, e o que regulamenta o funcionamento das agências reguladoras. Lula almoça amanhã com os líderes aliados na Câmara. Outro almoço será articulado com os líderes no Senado. As negociações já começam hoje com um jantar hoje, na residência oficial do presidente da Câmara, João Paulo Cunha, com os líderes governistas e da oposição. O relacionamento com aliados permanece tenso. O governo admite que a liberação de emendas está lenta e que várias nomeações prometidas nos segundo e terceiro escalões não foram concretizadas. Do outro lado, a oposição voltou com as garras bem mais afiadas após as eleições municipais. "Você tem agora uma oposição mais forte, referendada pelas urnas. E isso leva o governo a dialogar mais no Congresso e ser mais humilde. Exigiremos mais diálogo", resumiu o presidente em exercício do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG). O fator central que embola as articulações no Congresso ainda é a proposta de emenda constitucional (PEC) que permitiria a reeleição dos presidentes da Câmara, João Paulo Cunha, e do Senado, José Sarney. "Isso é um pântano", define um integrante do governo. "É a mãe de todos os problemas", repetem os parlamentares pelos corredores. Há extrema cautela do governo para tratar do assunto, mas o incômodo é evidente. Já há cobranças no Palácio do Planalto para que os parlamentares assumam abertamente suas posições e concluam esse debate, pois os prejuízos se acumulam e o imobilismo no Congresso se estende. O governo segue cauteloso e dividido quando o assunto é reeleição. Alguns ministros acham suicídio o governo se meter na história para ajudar Sarney e João Paulo. Outros, como José Dirceu (Casa Civil), articulam a aprovação da reeleição. Os partidos da oposição só vão concordar em colaborar com o governo e não obstruir as votações caso seja definido hoje, no jantar com João Paulo, um claro cronograma de votações, estabelecendo todos os itens da pauta por antecipação. Desta forma, teriam uma garantia prévia de que a reeleição não entra na ordem do dia. A pauta já está trancada por 21 medidas provisórias. "Nós estamos propondo uma pauta comum", avisou o líder do PFL na Câmara, José Carlos Aleluia (BA). Já existem alguns acordos em andamento. Um deles é a rejeição, em plenário, do projeto que cria o Conselho Nacional de Jornalismo. Foi exigência da oposição, já assimilada pelos governistas. "Seria uma sinalização do governo. Podemos deixar esse debate para um momento mais apropriado", defende o líder do PPS na Câmara, Júlio Delgado (MG). Nesse mesmo pacote de negociações, o governo sabe que corre o risco de ver rejeitada a medida provisória 207, que confere "status" de ministro e foro privilegiado ao presidente do Banco Central. A base está dividida. O líder do governo, Professor Luizinho (PT-SP), acha que há condições para aprovação. A base vai exigir ainda debate ampliado sobre outras MPs, e o governo já trabalha com a perspectiva de algumas derrotas. Uma dessas MPs é a 201, que trata da correção de aposentadorias devido à alteração da moeda no Plano Real. O PPS e o PSB querem um prazo menor para o pagamento das correções, estabelecido em oito anos. Como se a lista de problemas já não estivesse de bom tamanho, os partidos já começam a fazer projeções por espaços de poder em 2006, o que dificulta a boa vontade - mesmo de aliados - com o governo do PT. Neste cenário, também há algumas articulações em curso. PMDB, PFL e PSDB já iniciaram debates entre os dirigentes das legendas para votar e aprovar em 2005 uma proposta de emenda constitucional derrubando o conceito da verticalização nas eleições, ou seja, a obrigatoriedade para que a aliança nacional para candidatura majoritária se repita também nos Estados. "Essa discussão está acontecendo dentro do PMDB. Só ainda não está decidido como vamos encaminhá-la", admitiu o líder do partido no Senado, Renan Calheiros (AL). "O PMDB precisa estar feliz na aliança", repete Calheiros, como se fosse um mantra da política.