Título: Raro cenário positivo no instável setor de hortaliças
Autor: Cibelle Bouças
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2004, Especial, p. A-12

Ao contrário de grandes culturas agrícolas como a soja, que em 2004 amargam queda de preços e da rentabilidade dos negócios, o ano para batata, cebola e tomate tende a ser positivo. Tanto que seus produtores, na grande maioria pequenos e carentes de políticas oficiais de apoio, esperam amealhar receita suficiente para recuperar perdas de safras passadas. O otimismo, conservado mesmo com a queda de cotações no mês passado, quando o mercado esteve mais abastecido, deve-se ao aumento dos preços entre maio e agosto, em razão da oferta escassa e da maior demanda decorrente dos sinais de retomada econômica no país. Para quem vive dessas hortícolas, trata-se de um cenário raro. Para muitos produtores, aliás, pode ser considerado raro o simples fato de existir uma tendência, e a partir dela ser possível traçar uma estratégia de produção e comercialização. Mas mesmo a atual tendência é tão firme quanto um prego cravado na areia. Batata, cebola e tomate estão entre as culturas de maior oscilação de preços no mercado doméstico, o que muitas vezes leva tais produtos a receberem o injusto rótulo de "vilões da inflação". Juntas, todas as hortícolas têm peso médio de 4% na composição do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (IPC-Fipe). Heron do Carmo, economista da Fipe, observa que esses produtos têm oferta irregular por causa das safras e da suscetibilidade climática. "Já o consumo é regular. Por isso, qualquer mudança na oferta afeta altamente os preços". O ciclo curto das culturas - duas safras anuais de tomate, e três de batata e cebola -, permitem rápido ajuste de oferta e preços. "A alta estimula a produção na safra seguinte, que leva à superoferta e queda de preços e nova redução de área na outra safra. É cíclico", diz. Nozomu Makishima, pesquisador da Embrapa Hortaliças, afirma que não é possível prever a receita do trio no ano. Batata, cebola e tomate respondem por dois terços do mercado de hortícolas, que faturou US$ 2,6 bilhões em 2003 e US$ 2,5 bilhões em 2002. Segundo os agricultores, a falta de políticas de produção e preços colaboram para a oferta irregular, num ambiente marcado por pólos regionais e pela presença de "aventureiros", que apostam nas variedades em épocas de alta e ajudam a gerar as superofertas. Também o clima colabora para as "gangorras". Em geral, a produtividade cai de maio a agosto, com a chegada do frio, provocando escassez e alta de cotações. A partir de setembro, entram as safras mais produtivas e os preços recuam. Em 2004, afirma Margarete Boteon, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea/Esalq), o clima foi atípico, permitindo altas acima do normal de maio a agosto. No caso da cebola, o excesso de chuvas no Nordeste no primeiro trimestre gerou perdas na região de Petrolina (PE), que abastece o mercado brasileiro entre julho e agosto. Já o frio a partir de maio afetou as produções de tomate em Goiás, Minas, Rio e São Paulo, colhidas de maio a setembro. E o calor em Minas e as chuvas no Sul contribuíram para a oferta menor de batatas entre abril e setembro. "Nesses setores, há uma tendência de concentração da produção e modernização das lavouras", afirma Margarete. Em Sumaré (SP), Marcos Ravagnani, sócio da Casa do Tomateiro, diz que há investimentos crescentes na mecanização do plantio de tomates para reduzir o número de pessoas no campo e baixar custos. A Justiça do Trabalho passou a exigir que produtores registrem os agricultores que trabalham nas terras, mesmo as arrendadas. Para evitar os encargos, produtores de Sumaré investem em uma técnica que une irrigação e adubação, com custo de US$ 3 mil por hectare, que economiza 70% de água e reduz o número de funcionários de dez para um. Em São José do Rio Pardo, produtores de cebola apostam no plantio direto, que reduz o número de funcionários por hectare de 100 para dois. Airton Feltran, por exemplo, ampliará o plantio direto de 150 para 300 hectares. A Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé), que reúne 80 cebolicultores, dobrará a área, para 200 hectares em 2005. "O plantio manual demanda 40 pessoas por hectare, enquanto o direto só precisa de um tratorista", diz José Maria Breda, agrônomo da Cooxupé. Outra tendência na área de batata, tomate e cebola é o aumento das vendas diretas ao varejo. A Embrapa estima que até 40% das vendas já sejam dessa forma. Para garantir preços atrativos, o Carrefour compra 95% do que vende dos produtores, e suas vendas de batata, cebola e tomate cresceram 25% de janeiro a setembro sobre o mesmo período de 2003. Para os produtores, também tem sido uma boa saída, pelos preços mais constantes.