Título: IPCA pode até ficar abaixo da meta em 2006
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2005, Brasil, p. A4

O cenário projetado para a inflação no ano que vem é dos mais tranqüilos. Com a expectativa crescente de um dólar comportado e de um reajuste modesto dos preços administrados, já há até mesmo quem projete um Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) de 4,2% - abaixo do centro da meta de 2006, de 4,5%. Um indicador entre 4% e 4,5% é bastante baixo para padrões brasileiros, sendo considerado por vários analistas como o nível de inflação que o país deve buscar no longo prazo. Um IPCA nesses níveis será o segundo mais baixo da história do Real, acima apenas do 1,7% registrado em 1998 - a diferença é que, naquele ano, o país cresceu apenas 0,1%, e a aposta para 2006 é de uma expansão do PIB de 3,5%. A perspectiva de um IPCA próximo da meta se baseia em grande parte na premissa de que o câmbio pouco vai se desvalorizar no ano que vem. O economista Guilherme Maia, da Tendências Consultoria Integrada, projeta um dólar em R$ 2,30 no fim de 2005 e de R$ 2,40 no fim de 2006. A avaliação dominante, pelo menos por enquanto, é de que as eleições presidenciais não vão causar grandes turbulências no câmbio. O economista-chefe do Unibanco, Marcelo Salomon, destaca que as contas externas do Brasil estão bem mais saudáveis no passado. De um lado, os superávits comerciais elevados garantem uma oferta significativa de recursos para o país - o saldo em 2006 deve ficar abaixo dos US$ 41 bilhões deste ano, mas ainda se prevê um número elevado, na casa de US$ 35 bilhões. De outro, houve uma redução significativa da dívida externa das empresas brasileiras nos últimos anos, o que diminui a necessidade de o setor privado comprar dólares para honrar seus compromissos, resultando em menor pressão sobre o câmbio. A dívida externa privada, que estava em US$ 128 bilhões em 1998, deve fechar 2005 em US$ 82,5 bilhões. Com esse cenário confortável nas contas externas, as turbulências políticas não devem provocar grandes solavancos no câmbio, avalia Salomon. Ele lembra que, mesmo com uma crise política grave como a atual, o dólar caiu nos últimos meses, num quadro de grande oferta de moeda americana. O economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, também aposta num dólar comportado, lembrando que o cenário externo deverá continuar favorável em 2006. A economia global tende a crescer a um ritmo ainda robusto e a liquidez internacional deve declinar, mas de forma gradual, e não abrupta, avalia ele. Outro fator crucial para a aposta numa inflação baixa em 2006 é o comportamento dos preços administrados. Como os índices gerais de preços (IGPs) devem ficar na casa de 1% a 1,5% neste ano, eles vão contribuir para um IPCA reduzido no ano que vem. Os IGPs são a referência para a correção de várias tarifas públicas, como telefonia e energia elétrica. "A grande âncora de inflação para o ano que vem serão os preços administrados", afirma Barros. Ele acredita num IGP de 1,4% neste ano, o que "contrata uma inflação baixa para 2006". E os analistas não acreditam que os IGPs vão subir com força na primeira metade do ano que vem, o que poderia pressionar o índice acumulado em 12 meses em junho ou julho, quando há uma concentração de reajustes de tarifas importantes. "A estabilidade cambial traz mais conforto em relação à evolução futura dos IGPs", lembra Salomon, uma vez os preços no atacado - 60% dos IGPs - dependem muito do vaivém do câmbio. Ele também acredita num comportamento tranqüilo dos preços das commodities, outra possível fonte de pressão sobre os índices gerais de preços. Maia, da Tendências, faz uma análise parecida com a de Salomon, apostando que os preços administrados devem subir apenas 4,1% em 2006, bem abaixo dos 7,6% estimados para este ano. Com o dólar comportado, tarifas públicas controladas e pouca pressão de demanda, ele projeta um IPCA de 4,2%, previsão que inclui um reajuste dos combustíveis de 6% a 7% na bomba. Barros, por sua vez, projeta um indicador de 4,5%, bem no centro da meta. O economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é um pouco mais cauteloso. Por enquanto, vê um IPCA de 4,8%. Para ele, o centro da meta pode ser atingido apenas se o dólar quase não sair do lugar no ano que vem. De qualquer modo, seria um resultado positivo, avalia ele. Para os analistas, parece difícil o Brasil obter inflações muito abaixo de 4% a 4,5% nos próximos anos, como diz o economista-chefe do Banco Calyon, Dalton Gardimam. Problemas como a indexação de tarifas aos IGPs dificultariam uma redução mais forte das taxas, para a casa de 2% a 3%, nível vigente em países desenvolvidos e em alguns emergentes, como o Chile. Nesse quadro, um IPCA dentro da meta pode ser visto como uma vitória, mas que permite reduções moderadas dos juros. Para Maia, por exemplo, a Selic deve terminar 2005 em 18% e 2006 em 15%. Ontem, o BC reduziu os juros de 19,5% para 19%.