Título: Contra os votos de Jobim, Pertence e Grau, STF libera Câmara para julgar Dirceu
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2005, Política, p. A6

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, ontem, que o deputado José Dirceu (PT-SP) pode ser processado e julgado pela Câmara dos Deputados por quebra de decoro parlamentar. A decisão, tomada por sete votos a três, após quatro horas e meia de discussões entre os ministros, foi uma derrota acachapante de Dirceu. O deputado pretendia obter no STF a anulação do processo de cassação de seu mandato. Com a negativa do Supremo, Dirceu dependerá exclusivamente do julgamento da Câmara dos Deputados. Ele alegou aos ministros do STF que não poderia ser processado por quebra de decoro parlamentar por comportamentos e fatos atribuídos a ele durante período em que ocupou o cargo de ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República. Dirceu está sendo acusado na Câmara de operar o esquema do "mensalão" quando era ministro. Segundo a tese de seus advogados, ele não poderia ser processado por quebra de decoro no Congresso, pois não atuou como deputado na época. Mas, para a maioria dos ministros do Supremo, o fato de Dirceu não ocupar o cargo de deputado não o eximiu de cumprir os deveres éticos do Parlamento. Além de analisar o caso de Dirceu, o STF também firmou um importante entendimento: o de que parlamentares licenciados de seus mandatos para ocupar outros cargos podem responder a processos por quebra de decoro parlamentar. O ministro Gilmar Mendes advertiu que se a tese de Dirceu fosse vencedora "haveria uma situação absurda", pois Dirceu pôde optar por receber o salário de parlamentar (mais alto do que o de ministro), mas não ficaria submetido ao "regime de condutas éticas do Parlamento". O ministro Marco Aurélio Mello afirmou que os deputados devem agir com decoro a partir da expedição do diploma de parlamentar, mesmo que se licenciem do cargo. "O congressista que ocupa cargo de ministro de Estado não fica isento das responsabilidades parlamentares", completou o ministro Celso de Mello. "Ainda que estivesse afastado por problemas de saúde não deixaria de ser membro do Congresso Nacional", disse ele. Os ministros Carlos Britto, Carlos Velloso, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie também votaram contra o pedido de Dirceu. Durante os votos, alguns ministros fizeram críticas indiretas a Dirceu. Celso de Mello disse que "comportamentos motivados por razões obscuras são incompatíveis com a causa pública". "Todo cidadão tem o direito de exigir que o estado seja administrado por pessoas íntegras", completou. Carlos Velloso ressaltou que, embora investido no cargo de ministro de estado, Dirceu deve proceder com a ética exigida no Parlamento. "Deve haver decoro do parlamentar, estando ele onde estiver", reiterou Carlos Britto. Já o presidente do STF, Nelson Jobim, o relator do processo de Dirceu, Sepúlveda Pertence, e o ministro Eros Grau foram favoráveis ao pedido feito pelo ex-ministro da Casa Civil. Pertence concluiu que os supostos crimes cometidos por Dirceu no caso do "mensalão" seriam crimes de ministro de Estado. "O deputado, enquanto for ministro de Estado, insere-se no regime jurídico-político de seu 'status' de ministro", disse Pertence. Assim, segundo o entendimento do ministro-relator, Dirceu não poderia responder a esses crimes como parlamentar, já que seriam crimes típicos de ministro. "Os fatos configurariam, em tese, crime de responsabilidade", disse ele. "E não de decoro", completou Pertence. Eros Grau concordou com o voto de Pertence. Para ele, quem deixa o cargo de deputado para ocupar o de ministro é substituído por um suplente, o que significa a opção por um dos cargos. "Uma pessoa não pode exercer duas funções ao mesmo tempo", disse Grau. "Logo, não pode ter comportamento incompatível com o decoro parlamentar", completou. Jobim fez duras advertências e até ameaças aos demais ministros. Ele votou quando o placar já estava definido contra Dirceu e afirmou que a decisão "retomou o processo de degola com relação ao Executivo". Segundo Jobim, a posição da maioria dos ministros abriu uma brecha para que o Congresso faça outras cassações. O ministro enfatizou o poder que o Supremo estava dando ao plenário da Câmara. Para ele, ainda, o Senado poderá cassar até ministros do STF, caso não concorde com os seus votos, alegando simplesmente quebra de decoro. "Muitas cassações ocorrem por vontade da maioria", disse Jobim. "Se examinarmos as cassações no Congresso Nacional, veremos as alegações de ética, mas, na verdade, não é nada disso. As circunstâncias políticas é que determinam (as cassações)". Gilmar Mendes riu da advertência de Jobim dizendo que a previsão dele não era correta. "Você não perde por esperar", contra-atacou Jobim.