Título: Empréstimos de Valério financiaram PSDB
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2005, Política, p. A8

Crise Ex-tesoureiro diz à CPI dos Correios que empresário atuou na campanha de Eduardo Azeredo, em 1998

O ex-tesoureiro Cláudio Mourão confirmou ontem, em depoimento à CPI dos Correios, que o empresário Marcos Valério de Souza financiou o PSDB na campanha derrotada de Eduardo Azeredo ao governo de Minas Gerais, em 1998. Mourão revelou que Valério obteve dois empréstimos junto ao Banco Rural - um de R$ 2 milhões e outro de R$ 9 milhões - para a campanha. Os R$ 11 milhões, de um total de R$ 20,1 milhões gastos pelo PSDB naquela disputa eleitoral, integraram o caixa 2, ou seja, foram recursos não-contabilizados na prestação de contas feita ao Tribunal Regional Eleitoral. Tesoureiro daquela campanha, Mourão assegurou, no entanto, que Azeredo, hoje senador pelo PSDB e presidente do partido, só soube do caixa 2 depois da eleição e que se recusou a reconhecer a dívida contratada. "Ele se negou a aceitar caixa 2 e não quis pagar", sustentou Mourão. O ex-tesoureiro disse que recorreu a Valério porque a expectativa de arrecadação de recursos para a campanha frustrou-se. Mourão contou que 45% dos R$ 2 milhões emprestados pelo empresário foram transferidos para "apoiadores", todos pessoas físicas, de Azeredo no primeiro turno. O restante do dinheiro foi repassado, no segundo turno, às campanhas dos deputados da coligação PSDB-PFL-PTB que apoiava Azeredo, em sua tentativa de reeleição. Segundo o ex-tesoureiro, dos R$ 2 milhões, Valério só recebeu de volta a metade. Como garantia dos R$ 9 milhões obtidos junto ao Banco Rural, Valério teria usado créditos a receber do governo de Minas Gerais, comandado, na época, por Azeredo. Mourão assegurou que o empresário sofreu calote nos dois casos. "O Valério me ajudou demais na campanha. Me deu R$ 2 milhões e só recebeu R$ 1 milhão. Por isso, não deixou mais o meu comitê. Não sei como ele pagou o empréstimo. Ele vivia me cobrando", contou o ex-tesoureiro, confessando que fez tráfico de influência para que o governo Azeredo pagasse o que devia às agências de publicidade de Valério (DNA e SMP&B). "Tentei de todas as formas que ele recebesse a sua parte. Ele não recebeu." De acordo com Mourão, o publicitário Duda Mendonça, que cuidou do marketing da campanha de Azeredo, foi pago com dinheiro do caixa 2. "Dos R$ 4,5 milhões pagos a Duda, apenas R$ 700 mil eram oficiais", informou o ex-tesoureiro, que, antes de assumir as finanças da campanha, foi secretário de Azeredo. Num rasgo de sinceridade que provocou burburinho no plenário da CPI, Mourão afirmou que, no Brasil, ninguém dá dinheiro para campanhas políticas porque o candidato é "o mais bonito". "Valério apostou alto na campanha de Eduardo Azeredo, mas perdeu", disse ele. "Não conheço nenhum grande doador de campanha que não tenha negócios com o governo." O ex-tesoureiro revelou que, no início da campanha 1998, diante da escassez de recursos, procurou o então candidato a vice-governador na chapa de Azeredo, Clésio Andrade, que é empresário do setor de transportes e já presidia naquela ocasião a Confederação Nacional dos Transportes. "Vocês que estão no governo e eu que tenho que arrumar dinheiro", reagiu Clésio, segundo Mourão, avisando que não se envolveria em arrecadação para a campanha. Depois disso, disse o ex-tesoureiro, o único contato que teve com Clésio foi quando o apresentou à sócia de Duda Mendonça, Zilmar Fernandes. Mourão contou ainda que pediu à Volkswagen a doação de carros para a campanha, mas, diante da rejeição do pedido, tomou empréstimo pessoal junto ao banco da empresa para adquirir os carros. "Devo ao banco Volks até hoje", afirmou. Em 2001, já "em rota de colisão com Azeredo e o PMDB", ele decidiu pedir ajuda novamente a Valério. O empresário conseguiu, então, que o Rural o emprestasse R$ 200 mil, numa operação avalizada por Valério e seus sócios. Mourão disse que deve hoje mais de R$ 3 milhões. Interessados em provar que o valerioduto foi criado em 1998 pelo PSDB, portanto, bem antes do esquema de corrupção do PT que está sendo investigado agora por três CPIs, os petistas foram os mais agressivos durante o depoimento de Mourão. "O esquema surge em Minas Gerais e o 'know-how' infelizmente vai para o Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT)", disse o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP). Os deputados Maurício Rands (PT-PE) e Carlos Abicalil (PT-MT) exploraram o fato de Mourão ter acionado Azeredo e Clésio no Supremo Tribunal Federal e desistido da ação um dia depois do depoimento do ex-governador à CPI. "Isso soa como uma coincidência", disse Rands, insinuando a existência de acordo para proteger Azeredo. "Desisti porque o foro (o STF) era inadequado", justificou Mourão. "Ainda vou buscar o meu caminho (judicial)." O presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), preferiu permanecer em casa enquanto Mourão falava à CPI dos Correios. Por meio de sua assessoria, Azeredo disse que o depoimento confirmou as declarações que fizera à mesma comissão de que não tinha conhecimento dos empréstimos e que isso diferencia seu caso do petista, quando teria havido aval do partido.