Título: Vencedor em todo o país, 'não' tem melhor desempenho no RS
Autor: Cristiane Agostine, César Felício Sérgio Bueno e J
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2005, Política, p. A8

Comércio de armas Pernambuco tem a maior votação proporcional do 'sim'

O voto 'não' no referendo pela proibição da venda de armas e munição foi o vencedor ontem, com 63,91% dos votos, ante 36,09%, apurados 96,91% das urnas até 22h30 horas. De acordo com o TSE, a abstenção ficou em cerca de 20% dos 123 milhões de eleitores registrados, equivalente à registrada nas eleições presidenciais de 2002. A vitória foi acachapante: em nenhum Estado da federação o 'sim' conseguiu maioria dos votos. No Rio Grande do Sul, a diferença foi de 86,83% para o 'não' contra 13,17% do sim, contados 99, 92% do total. O melhor resultado obtido pelo desarmamento foi Pernambuco. Com 97,96% dos votos apurados, o 'sim' obteve 45,44% ante 54,56% do não. Do ponto de vista político, a opção pelo 'não' contraria a escolha feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva , os governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB) e Rio de Janeiro, Rosinha Garotinho (PMDB), o prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB) e a CNBB. A vitória do 'não' faz com que permaneça permitida a venda de armas e munições para as pessoas autorizadas a usá-las, oito categorias descritas nos artigos 6 e 10 do Estatuto do Desarmamento. A força do "não" no Rio Grande do Sul deve-se à condição de Estado que, historicamente, sempre atuou na defesa das fronteiras do país. Também ficam no Estado duas das grandes indústrias de armamentos do país, a Taurus e a Rossi. Além disso, a historiadora Sandra Jatahy Pesavento, professora da Universidade Federal do Rio Grande do sul (UFRGS) atribui o resultado a uma mensagem de protesto contra o governo federal no Estado que nos anos recentes havia garantido as maiores conquistas políticas e eleitorais do PT no país . A especialista afirma que o referendo transformou-se em um julgamento local do governo, que se engajou na campanha a favor do desarmamento. "A desilusão foi maior porque o Rio Grande do Sul também tinha vínculos mais fortes com o partido", diz. Outro fator que pesou a favor da derrota da proibição da venda de armas e munição foi a lógica adotada pela população das regiões mais afastadas, no interior do Rio Grande do Sul. Lá, segundo a historiadora, o que prevaleceu foi o princípio da defesa das terras em áreas onde as forças de segurança pública enfrentam limitações ainda maiores de atuação. "É um processo que autoriza este tipo de comportamento", entende ela. No Rio Grande do Sul, há 348 mil armas registradas, de acordo com o Sistema Nacional de Armas da Polícia Federal (Sinarm), no dia 3 de outubro deste ano. No Rio, o prefeito Cesar Maia (PFL) , um político que costuma definir suas estratégias de ação com base em pesquisas de opinião e observação do comportamento do eleitorado, tornou-se a mais importante liderança a apoiar o voto 'não'. Inicialmente, o pefelista era a favor do desarmamento, mas trocou a sua opinião conforme as pesquisas indicavam a mudança de tendência. Ele nega o cálculo político. "Troquei meu voto porque os especialistas me mostraram os riscos de se votar no 'sim'. No Rio , com 100% dos votos apurados, o 'não' obteve 61,89% dos votos , contra 38,11% do 'sim', ligeiramente abaixo portanto da média nacional. Das mais de 7,6 milhões de armas registradas em todo o País, desde julho de 2004, a campanha do desarmamento recolheu apenas 4% das armas registradas no Rio. O Estado foi o quarto na entrega de armas da campanha, um desempenho superior ao de São Paulo, um dos Estados com pior desempenho na campanha do desarmamento. Os dois mais urbanizados Estados da federação votaram homogeneamente no referendo, sendo o eleitor paulista ligeiramente mais favorável à proibição do comércio. Defensores do 'sim', como o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), atribuem o resultado à inação dos governos estadual e federal neste campo . " Não se viu, ao longo deste ano e do ano passado, uma ação concatenada no Rio contra as armas clandestinas, o que teria favorecido enormemente a votação pelo desarmamento no Estado", afirmou o parlamentar. "Há 22 anos a segurança pública é o tema número 1 no Rio de Janeiro. É natural que, diante da falta de resultados concretos em mais de duas décadas, a população encontrasse alguma forma de protestar no momento em que fosse consultada pela primeira vez", disse outro militante pelo voto 'sim', o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ). Em São Paulo, tanto o governador Geraldo Alckmin quanto o prefeito da capital, José Serra, ambos tucanos, apoiaram o voto 'sim', mas de maneira cada vez mais discreta, à medida que o 'não' progredia. Com 99,17% dos votos apurados, o voto contra a proibição obteve 59,6% do total, ante 40,4% do voto 'sim', diferença também menor do que a nacional. Ao votar, o governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou que a derrota não poderia ser vista como um julgamento de sua gestão. Mencionou a redução da taxa de homicídios nos últimos anos. É no Estado, entretanto, que se concentra a maioria absoluta dos homicídios e a taxa estadual em 2004 era 50,8% acima do que era registrado em 1993. São Paulo é o Estado com maior número de armas registradas no país: 3,6 milhões no dia 3 de outubro deste ano, segundo o Sistema Nacional de Armas da Polícia Federal. É praticamente a metade dos 7,281 milhões de armas em todo o País. O voto 'não', no Estado, teve pouca defesa política. A maior expressão contra a proibição das armas foi a do deputado federal e ex-governador Luiz Antonio Fleury Filho (PTB). O voto no referendo foi extremamente regionalizado. Além do Rio Grande do Sul, o voto 'não' ficou acima da média em Santa Catarina (76,64% contra 23,36%) e Paraná (73,15% ante 26,85%) e nos Estados da região Norte, em que a população é dispersa e o uso de armas no campo é usual. No Amapá, com 100% dos votos apurados, o 'não' obteve 73,48% . Em Tocantins, com 99,67% do total contado, o 'não' conseguiu 75,95% e o 'sim', 24,05%. Já na região Nordeste, as diferenças foram menores e o voto "sim" conseguiu melhor desempenho. Depois do Ceará, o segundo melhor resultado do 'sim' foi em Pernambuco, com 45,34%, depois de apurados 96,45% das urnas. O Estado foi o terceiro do país em armas arrecadadas durante a campanha do Desarmamento. "No caso da campanha do desarmamento a entrega de armas por si só não representa expectativa de mudanças. Em Pernambuco muitos assim o fizeram para ganhar algum dinheiro a mais", avalia o cientista político Michel Zaidan, da Universidade Federal de Pernambuco. Em Pernambuco, o governador Jarbas Vasconcelos, da ala oposicionista do PMDB, ficou de fora do debate público sobre o tema, sinalizando apenas que era contra a consulta popular. Afirmou que o referendo foi uma mobilização desnecessária de forças e recursos que teriam sido melhor empregados se fossem investidos na área de segurança. "Acredito que a votação deveria ser feita no Congresso", disse o pemedebista. Em Sergipe, Estado líder na entrega de armas, o resultado ficou muito semelhante ao do país. O 'não' teve 62,88% e o 'sim', 37,12%, com 99,95% das urnas apuradas. Na Bahia, um dos estados em que o 'sim' teve seu melhor resultado, o prefeito da capital João Henrique Carneiro (PDT), eleitor do 'sim', aproveitou o referendo para anunciar que a prefeitura de Salvador vai tentar viabilizar, a partir de hoje, a criação da Guarda Municipal.(Colaboraram Paulo Emílio, do Recife, Francisco Góes, do Rio, Patrick Cruz, de Salvador, e Vanessa Jurgenfeld, de Florianópolis)