Título: Reservas internacionais crescem e chegam perto do "confortável"
Autor: Cristiane Perini Lucchesi
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2005, Finanças, p. C1

Câmbio Com compras de US$ 2,5 bi pelo BC em outubro, nível está próximo a US$ 45,5 bi

Com as compras agressivas do Banco Central no mercado de dólar à vista neste mês, cresce a visão entre os economistas de que o nível de reservas internacionais no Brasil - o caixa em moeda forte - está se aproximando do que pode ser considerado ideal. Especialistas acreditam que o BC comprou US$ 2,5 bilhões desde 3 de outubro, quando voltou a atuar. Somente na quinta-feira teria comprado US$ 700 milhões. Com isso, as reservas líquidas (descontado o dinheiro do Fundo Monetário Internacional) estariam em US$ 45,5 bilhões, na comparação com os US$ 27,5 bilhões do final do ano passado e dos US$ 16 bilhões que chegaram no final de 2002. O nível apropriado seria algo entre US$ 55 bilhões e US$ 60 bilhões, segundo a maior parte dos analistas ouvidos pelo Valor, dado o atual cenário e o regime de câmbio flutuante. Para outros - como os analistas do Barclays Capital -, o nível de hoje já é suficientemente confortável. Um modelo econométrico que leva em consideração o Produto Interno Bruto e o volume de comércio exterior - importação e exportação -, além da volatilidade dessa receita e do câmbio, de analistas da Goldman Sachs, aponta que o Brasil já estava com reservas em níveis adequados no final do ano passado. Obviamente, definir o nível "ótimo" das reservas internacionais para um país não é tarefa fácil. Em tempos favoráveis, qualquer nível parece excessivo, enquanto em épocas de crise cambial qualquer valor parece pequeno. As reservas internacionais da China são estimadas em mais de US$ 800 bilhões e continuam crescendo. Já o México tem cerca de US$ 65,5 bilhões e o Banco Central do país decidiu que já é suficiente e parou de comprar dólar. No Chile, o nível ideal foi considerado US$ 16 bilhões. "É necessário avaliar a relação custo-benefício das reservas crescentes", comenta Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco. As reservas maiores melhoram os indicadores de solvência do país. "O crescimento das reservas genuínas, em um regime de câmbio flutuante, favorece a leitura mais positiva do Brasil e reduz o caminho do país para o grau de investimento", afirma Octavio de Barros. O grau de investimento é uma espécie de selo de investimento não-especulativo das agências de classificação de risco de crédito, que abre uma parte do mercado externo ao país e reduz o custo de captação. Octavio de Barros cita a dívida externa líquida do setor público como um importante indicador de solvência - vem caindo com o aumento das reservas e queda na dívida externa total e deve chegar a cerca de US$ 45 bilhões no final do ano. O Barclays Capital aponta que as reservas, que representavam 101,6% da dívida externa de curto prazo no final de 2003, representam 258% hoje - o que mostra o grau de conforto do Brasil. Um país que acumula reservas passa melhor em períodos de crises nas quais perde o acesso ao financiamento externo, pois não precisa diminuir drasticamente o consumo e o investimento, explica Solange Srour, economista-chefe da Mellon Global Investments - Brasil. O BC pode atuar de forma anticíclica, fornecendo liquidez ao mercado de câmbio e atenuando o impacto do choque externo sobre a economia do país e sobre a a taxa de câmbio. Mas o acúmulo de reservas, como não poderia deixar de ser, tem um custo, que no caso dos países emergentes, e em especial do Brasil, não é nada pequeno. Esse custo é o diferencial entre os juros pagos pelo país na sua dívida e a remuneração das reservas. O BC não revela exatamente em que tipo de investimento são aplicadas as reservas, mas sempre busca baixo risco. O investimento de menor risco no mundo, os títulos do Tesouro dos EUA, pagavam na sexta-feira 4,39% ao ano pelo prazo de dez anos. No entanto, um título do Tesouro do Brasil de vencimento em 7 de março de 2015 pagava 7,911% ao ano, 352,1 pontos básicos a mais. Ou seja, o Tesouro tem de pagar mais de 7,911% ao ano por um dinheiro que ele investe a 4,39% ao ano. É fácil perceber que está perdendo dinheiro. Como o Brasil paga um dos maiores prêmios entre os emergentes, é o que tem maior custo nas reservas. Mas, quando o Banco Central compra dólar no mercado interno para engordar as reservas, o custo é maior ainda. O BC tem de entregar reais na compra de dólares, aumentando o volume de reais na economia, que precisam ser enxugados - para não causar inflação. Caso contrário, a medida seria contraditória com a política de metas de inflação do próprio BC, lembra Solange Sour. Para enxugar reais, o Tesouro tem de emitir títulos e pagar juros de 19% ao ano, que são a taxa básica de juros Selic hoje. O Tesouro paga 19% ao ano e aplica a 4,39% ao ano. A diferença é de 1.461 pontos básicos. "Além disso, há um aumento na dívida pública", ressalta Solange Srour. As compras do Tesouro no mercado de dólar à vista, de cerca de US$ 14 bilhões até o final de setembro e de mais US$ 1,4 bilhão estimadas para este mês, também têm impacto forte sobre as reservas, pois impedem a sua redução no futuro. O Tesouro só pode comprar dólar para pagar sua dívida externa e com antecedência de 180 dias dos vencimentos dos juros ou principal. No dia do pagamento da dívida, o Tesouro usa o dólar que comprou no mercado interno e as reservas internacionais não tem redução. Especialistas acreditam que o Tesouro compre até o final deste mês US$ 5,5 bilhão dos US$ 11,1 bilhões de vencimentos da dívida previstos para 2006. Com as reservas líquidas crescendo pelas compras do BC e não caindo pelas compras do Tesouro, Octavio de Barros acredita que o nível de US$ 55 bilhões a US$ 60 bilhões pode ser atingido já em meados do ano que vem, se o cenário externo continuar favorável. O BC projeta US$ 51 bilhões para o final do ano que vem. Uma forma de conter o crescimento excessivo nas reservas e ao mesmo tempo melhorar os indicadores de solvência seria comprar dívida externa antecipadamente em 2006, sugere Octavio de Barros. Dos US$ 8,9 bilhões em bônus da dívida externa renegociada - os bradies - restantes, US$ 5,740 bilhões têm opção de recompra que pode ser exercida em 2006. Adauto Lima, economista do WestLB, sugere que o BC continue comprando dólares hoje, pois teme apreciação forte do real, mas em volumes cada vez menores, de forma a não engrossar demais as reservas. Mas, "quando a autoridade monetária mantém o câmbio depreciado artificialmente, uma parcela da poupança do país é transferida como subsídio aos exportadores", nota Solange Srour em interessante relatório.