Título: Paulada nos juros
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 29/04/2010, Economia, p. 14

Banco Central eleva a taxa básica da economia em 0,75 ponto, para 9,50% ao ano. Foi o primeiro aumento depois de 19 meses

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, seguiu à risca o roteiro que ele traçou e fez questão de divulgar. Construiu a unanimidade entre os diretores da instituição e, como antecipou ao presidente Lula, deu a esperada ¿paulada¿ nos juros para retomar o controle da inflação. O Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa básica da economia (Selic) em 0,75 ponto percentual, de 8,75% para 9,50% ao ano, e indicou que está preparado para um arrocho maior nos próximos meses, até que os índices de preços voltem para o centro da meta, de 4,5%, definido pelo governo. Essa foi a primeira elevação dos juros em 19 meses e o início do quarto ciclo de aperto monetário da era Lula. As apostas são de que a taxa feche o ano entre 11,75% e 13%.

Ao contrário de março, quando boa parte dos analistas questionou a decisão do Copom de manter a Selic em 8,75%, devido aos interesses de Meirelles de ser o vice da chapa da petista Dilma Rousseff à Presidência da República, desta vez o BC não provocou ruídos, ainda que uma pequena ala do mercado aposte na possibilidade de o aumento dos juros se encerrar em julho, em meio à Copa do Mundo e antes das eleições. Para não alimentar rumores, o banco soltou, depois de três horas de reunião, um comunicado sem qualquer emoção: ¿Dando seguimento ao processo de ajuste das condições monetárias ao cenário prospectivo da economia, para assegurar a convergência da inflação à trajetória de metas, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa Selic para 9,50% ao ano, sem viés¿.

A Selic estava em 8,75%, o menor nível da história, desde julho do ano passado. O afrouxamento monetário foi um dos principais instrumentos usados pelo governo para tirar a economia do atoleiro no qual se meteu depois do estouro da bolha imobiliária norte-americana. A última vez em que o Copom subiu os juros, de 13% para 13,75%, foi em 10 de setembro de 2008, pouco antes da quebra do banco Lehman Brothers. De lá para cá, ou a taxa ficou parada em um mesmo nível ou caiu. A maior puxada da taxa básica na era Lula ocorreu no início de 2003 ¿ a Selic bateu em 26,50% ao ano, como forma de reverter o descrédito dos investidores em relação a uma administração petista.

Críticas Segundo o economista Cristiano Souza, do Banco Santander, ¿o BC tinha que ser rápido e intenso para ancorar as expectativas de inflação, que vêm subindo há 14 semanas consecutivas¿. A seu ver, mesmo que o BC não consiga, terá que mostrar ao mercado que persegue o centro da meta. O Santander prevê que o ciclo de aperto monetário vai se estender por todas as próximas cinco reuniões do Copom em 2010, com mais um aumento de 0,75 ponto em junho, três altas de 0,50 ponto e, por fim, em dezembro, elevação de 0,25 ponto.

Para a economista-chefe do ING Bank, Zeina Latif, que apostava em alta 0,50 ponto, há justificativa para a paulada de 0,75. ¿Não há dúvida quanto ao forte ritmo da atividade econômica, mas é sempre difícil precisar quanto dessa atividade vai se transformar em inflação¿, ponderou. Ela ressaltou que, apesar de parcela importante do mercado dizer que o BC está atrasado na condução da política monetária, não está vendo nada de errado nas decisões do Copom. ¿O presidente do BC reafirmou, nos últimos dias, a posição de defesa do BC, ao deixar claro que as suas decisões são técnicas¿, afirmou.

Na opinião do economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal, o BC foi o responsável pela divisão entre os analistas nos últimos dias em torno dos juros. ¿O mercado não consegue ter o quadro completo que o BC tem e, por isso, é muito importante a informação. E a instituição vem errando na comunicação desde a última ata¿, disse. ¿O BC perdeu a aura de que não há interferência política nas decisões do Copom.¿ Se o aumento dos juros correspondeu às expectativas do mercado, desagradou aos trabalhadores. Para a Força Sindical, a decisão do Copom foi resultado de uma ¿miopia econômica¿, que pode brecar o crescimento do país.

Indústria ameaça parar de investir

» Luciana Otoni

O aumento da taxa básica de juros (Selic), de 8,75% para 9,75% ao ano, ameaça os investimentos produtivos e pode impedir o país de ampliar a sua capacidade de crescer sem gerar inflação. O alerta foi feito por representantes da indústria, que apontam como agravante o risco de os juros mais altos provocarem uma entrada maciça de dinheiro estrangeiro especulativo no Brasil, o que fortaleceria ainda mais o real frente ao dólar e prejudicaria as exportações. ¿Haverá, claramente, uma valorização do câmbio porque, à medida que aumenta o diferencial de juros, a economia brasileira atrairá mais capitais do exterior¿, comentou o gerente executivo da Unidade de Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Renato da Fonseca.

Ele avaliou que, após o ajuste iniciado ontem, o Banco Central tem pela frente a difícil tarefa de calibrar a duração e a intensidade da elevação dos juros para conter a inflação sem que os investimentos e as exportações sejam muito prejudicados. ¿Hoje, isso é uma incógnita. Não sabemos por quanto tempo o BC manterá o processo de elevação dos juros¿, afirmou Fonseca. A CNI considera que o governo possui instrumentos para regular a entrada de divisas no país, como a elevação do imposto sobre o capital estrangeiro, mas duvida que a medida contenha o ímpeto dos investidores.

Para Fonseca, se o governo optasse por diminuir o ritmo da economia cortando gastos públicos, a política monetária não ficaria sobrecarregada. O BC não teria que forçar a mão para conter a alta de preços. Antes mesmo do anúncio do aumento da Selic, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, tentou amenizar seus efeitos negativos. ¿Em princípio, a medida pode trazer mais dólares. Mas não acredito que haverá um grande efeito (sobre as exportações)¿, disse. Para compensar parcialmente as perdas, o governo anunciará na próxima semana um programa de estímulo às vendas externas. (Colaborou Deco Bancillon)

Quem votou pela subida

Henrique Meirelles, presidente do BC Carlos Hamilton Araújo, diretor de Política Econômica Aldo Luiz Mendes, diretor de Política Monetária Alexandre Tombini, diretor de Normas Gustavo Matos do Vale, diretor de Liquidações Alvir Hoffmann, diretor de Fiscalização Anthero Meirelles, diretor de Administração Luiz Awazu Pereira, diretor de Assuntos Internacionais