Título: "Empresários que doaram ao valerioduto serão convocados", diz Delcídio
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2005, Política, p. A8

A menos de dois meses do fim do prazo legal de funcionamento da CPI dos Correios, seu presidente, senador Delcídio Amaral (PT-MS), diz que é prematuro afirmar, como vêm fazendo representantes do governo e do PT, que a crise política esteja prestes a acabar. Segundo Delcídio, a Comissão vive seu momento mais importante. Dentro de duas semanas, vai promover a primeira leva de indiciamentos dos principais personagens envolvidos no esquema de corrupção. Da lista de crimes, constam sonegação fiscal, evasão de divisas, corrupção passiva e formação de quadrilha. Quando os nomes dos indiciados aparecerem, a crise tomará novo fôlego. "É prematuro apostar nisso (no fim da crise política). A fase em que a CPI dos Correios se encontra é, talvez, o seu momento mais importante", diz Delcídio Amaral nesta entrevista ao Valor: Valor: Por que a CPI ainda não convocou empresários que teriam doado recursos pelo valerioduto? Delcídio Amaral: Vamos entrar agora na fase de análise, em função até das empresas de auditoria que estão sendo contratadas, dos contratos privados. Valor: Que contratos? Delcídio: Os contratos firmados entre as agências de publicidade de Marcos Valério - DNA e SMP&B - e empresas privadas. Essa é uma das alternativas onde, eventualmente, há a relação entre grupos privados e o financiamento de caixa 2. Como conseqüência natural dessa investigação, vamos convocar os empresários envolvidos. Valor: Há algum pacto entre os partidos governistas e da oposição para não convocar empresários? Delcídio: Nenhum. Ninguém fez qualquer tipo de ponderação nessa direção. Valor: O deputado Roberto Brant (PFL-MG) contou que recebeu dinheiro da Usiminas por meio da SMP&B. Segundo ele, o dinheiro foi oferecido pelo presidente da empresa, Rinaldo Campos Soares. A CPI vai convocar Soares? Delcídio: É absolutamente natural a convocação, até para fazer o contraponto, numa linha de investigação plausível. (O exemplo de Brant) é uma das maneiras de se utilizar contratos privados, muitos deles fictícios, para atender alguém, algum parlamentar. Valor: A CPI tem sido criticada por não chegar aos corruptores. É justa essa desconfiança? Delcídio: Nós realmente precisamos chegar aos corruptores. A CPI dos Correios tem excelentes quadros parlamentares. Com o reforço técnico que tivemos do Banco Central, da Receita Federal e do TCU e agora com os auditores contratados, vamos ter a consistência técnica necessária para cruzar as informações. Valor: Há ainda a percepção de que a CPI não consegue descobrir mais nada. O sr. concorda? Delcídio: Já passamos pela fase de quem sacou recursos, de quem se beneficiou do dinheiro, o que já foi um passo importante porque nos permitiu, no relatório parcial, pedir a cassação de 18 parlamentares. Estamos na reta final de análise dos contratos dos Correios. A sub-relatoria do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) já tem um trabalho feito previamente pelo TCU. O escopo do trabalho dos fundos de pensão, que será apresentado terça-feira (hoje) pelo deputado ACM Neto (PFL-BA). Efetivamente, o maior desafio da CPI é a movimentação financeira, que é a origem dos recursos. Este vai ser o "upgrade" que essa CPI vai trazer para a história política do Congresso. Valor: E onde pode estar a origem dos recursos? No exterior? Delcídio: Vamos rastrear no exterior as contas que alimentaram a movimentação financeira da Dusseldorf (uma empresa "off-shore" aberta pelo publicitário Duda Mendonça nas Bahamas). Valor: Por que o rastreamento ainda não foi feito? Delcídio: Existe um acordo - o MLAT (Mutual Legal Assistance Treaty) - entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos que restringe o acesso das informações. É um acordo do Ministério da Justiça com o Departamento de Justiça americano. Ocorre que esse assunto surgiu na CPI dos Correios. É uma das vertentes que estão sendo investigadas como fonte supridora de recursos do esquema de corrupção. Legalmente, não poderíamos ter acesso às informações na CPI. Pelo acordo existente, quem ficaria com a documentação seria o Supremo Tribunal Federal (STF). Mostrei ao embaixador dos EUA, John Danilovich, a necessidade de contarmos com essas informações. O acordo diz que os dados só podem ser usados em investigações de natureza criminal, o que restringe violentamente a nossa ação. Mandei um ofício para a embaixada americana, explicando o que é uma CPI no Brasil, quais são as suas competências. Mostrei que aqui CPIs também quebram sigilos. Valor: Se o governo americano não concordar, o que o sr. pretende fazer? Delcídio: Como os Estados americanos têm certa autonomia, o procurador de Nova York pode liberar as informações. O que assumi é que, eventualmente, faríamos uma carta-compromisso, assumindo a responsabilidade por qualquer divulgação dessas informações sigilosas. Os americanos estão cautelosos por causa da CPI do Banestado, que vazou informações sigilosas e os bancos acionaram as autoridades que liberaram as informações. Valor: Uma das linhas de defesa usadas pelo PT e o governo nessa crise é afirmar que, até agora, não foi comprovado o desvio de recursos do setor público para o suposto esquema de corrupção. Delcídio: Estamos investigando, mas o importante é que dinheiro não tem carimbo. Uma CPI não vai conseguir fazer um trabalho rigoroso, no prazo regimental (seis meses), que consiga provar tudo e fazer com que todas as informações venham a ser explicadas. Mas, os indícios vão sinalizar com absoluta nitidez o que está acontecendo. Uma CPI investiga e encaminha os indícios ao Ministério Público, à Polícia Federal, enfim, às instituições que vão investigar. E as investigações desses órgãos vão consumir dois, três anos de trabalho. Valor: O que as CPIs apuraram até agora, na sua avaliação, indicam corrupção sistêmica ou apenas financiamento irregular de campanha, como alegam o governo e o PT? Delcídio: Não acredito que seja apenas uma questão de caixa 2. É algo muito mais amplo. Inegavelmente. Sem medo de errar. Não tenho dúvida nenhuma.

Esta CPI vai ficar para a história ao trazer a movimentação da origem dos recursos do valerioduto"

Valor: Na sua opinião, caixa 2 é um ato de corrupção ou apenas um desrespeito à lei eleitoral? Delcídio: No relatório parcial em que encaminhamos pedidos de cassação de 18 deputados, fomos muito claros. Houve falta de decoro. Isso ficou tão claro que esse relatório foi aprovado na presença de duas CPIs - Correios e Mensalão - e por unanimidade. É absolutamente condenável o que aconteceu. Valor: Os petistas têm alegado que o problema foi caixa 2 e que, portanto, não pode haver cassação de mandatos com base nisso. O sr. concorda? Delcídio: Quando há dinheiro de caixa 2, quem garante que aquilo foi efetivamente aplicado em campanha política ? Essa tese de defesa caminha para uma subjetividade absolutamente fora de qualquer bom senso, de qualquer lógica. Valor: O caixa 2 é uma prática generalizada no PT, como afirmou o ex-tesoureiro Delúbio Soares? Delcídio: Não é generalizada porque ele, inclusive, citou estados, como o meu (Mato Grosso do Sul), onde não houve caixa 2. Precisamos tomar cuidado com a generalização. Valor: Por que o sr. ficou no PT? Delcídio: Conversei com o presidente. Vários partidos me convidaram, mas acho que, até por uma questão de coerência e pela minha própria personalidade, não me sentiria bem em sair do partido num momento como este. Valor: O presidente pediu para o sr. ficar? Delcídio: Ele disse 'olha, Delcídio, estamos num momento importante, difícil, acho que você pode ajudar muito o PT; o PT tem que retomar o seu discurso político forte, retomar o debate, a formação política'. Por tudo isso e por eu ser o líder do PT no Senado, apesar das dificuldades que tenho hoje para cumprir esse papel, acho que foi uma decisão serena. Valor: O Planalto tem pressionado o sr. em relação à CPI? Delcídio: Não, mas evidentemente eu sinto a atuação do governo nas bancadas e nos parlamentares da base, mas comigo não. Tenho tido conversas com o presidente sempre de uma maneira equilibrada. O presidente nunca me pediu nada. Valor: O sr. acha que a crise política está caminhando para acabar? Delcídio: É prematuro apostar nisso. A fase em que a CPI dos Correios se encontra é, talvez, o seu momento mais importante porque temos todas as informações, uma massa documental que vai nos levar a uma série de conclusões, portanto, acho que uma afirmação nesse nível é precipitada. Valor: O governo tem motivos para se preocupar? Delcídio: O governo naturalmente tem que se preocupar. Primeiro, porque precisa ter uma agenda positiva para o Congresso, precisa ter uma série de ações, projetos que são importantes para o país. É evidente que, enquanto temos esse ambiente de denúncias, as coisas vão se atrasando. E quer queira, quer não, há o processo político em 2006. E o governo está de olho nisso, com razão. É legítimo o governo trabalhar para que as CPIs não entrem num ano eleitoral, até porque isso vai prejudicar toda a sua estratégia política. Valor: Diante do fato de que somente agora a CPI vai começar a investigar os fundos de pensão e a rastrear movimentações financeiras no exterior, o sr. pretende prorrogar o prazo da CPI? Delcídio: Algumas sub-relatorias vão terminar o trabalho dentro do prazo. Valor: Quais? Delcídio: Os casos dos contratos dos Correios, a investigação do IRB. Se as informações do exterior vierem na velocidade que a gente imagina, a sub-relatoria de movimentação financeira também concluirá dentro do prazo. A preocupação maior diz respeito à sub-relatoria dos fundos de pensão. O que podemos fazer é prorrogar os trabalhos somente daquilo que não conseguirmos terminar. Posso prorrogar para casos específicos. Valor: Por que investigar os fundos de pensão? Delcídio: O caso dos fundos de pensão surgiu porque uma das vertentes da investigação é que o pretenso caixa 2 poderia estar sendo alimentado por meio de aplicações dos fundos. Não podemos inferir nada ainda, agora, vai ser bom para o país porque, definitivamente, vamos entender como funciona a relação dos fundos com as corretoras. Valor: Se já havia essas desconfianças, por que só agora os fundos serão investigados? Delcídio: Convocamos muitas pessoas antes de fazer a lição de casa. Aparecia um depoente lá que podia prestar muitas informações se a gente estivesse preparado para isso. Vamos fazer o cruzamento de dados, levantar as informações e, depois, convocar os depoentes.