Título: Alicerces para o crescimento
Autor: Marlene Jaggi
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2005, Valor Especial / CONSTRUÇÃO CIVIL, p. F1

Depois de quase uma década de resultados desfavoráveis, a indústria da construção retoma o fôlego e as obras, embora num ritmo menos intenso que o projetado

Os empresários da indústria brasileira da construção civil vão entrar em 2006 com a sensação de que 2005 foi o ano mais instável dos últimos tempos. Depois de enfrentar três anos sucessivos de retração e de comemorar o bom desempenho de 2004, eles viveram tantos altos e baixos que não arriscam grandes apostas sobre o que vem pela frente. O cenário favorável de 2004, que permitiu o crescimento de 5,7% do setor, foi substituído por avanços e recuos e a previsão inicial de novo avanço, de 4,6%, já foi revista para bem menos: os cálculos oscilam entre um avanço de 2,2% e 3,8%. Mas, para um setor que perdeu vigor durante quase uma década, em conseqüência de uma política econômica de foco essencialmente monetário, crescer é motivo de festa. Empresários e representantes de instituições da construção civil criticam os aumentos sucessivos das taxas de juros nos primeiros meses do ano, a lentidão na liberação de recursos, retrocessos como a queda da Medida Provisória 252, que estimularia o setor, mas apresentam uma vasta lista de fatores que certamente impulsionarão os negócios: a manutenção da atividade econômica, apesar da crise política, o início da recuperação de renda e do emprego, a atual tendência de queda nos juros e o empenho do governo em criar mecanismos para aumentar a oferta de recursos para o saneamento e para o mercado imobiliário - a lei 10.931, por exemplo, que aumentou as garantias a compradores e financiadores de imóveis e as resoluções do Conselho Monetário Nacional que determinaram a destinação de recursos para o crédito imobiliário. Tudo isso sem falar do óbvio: 2006 é ano de eleições, tradicional época de corrida para a entrega de obras. Para algumas construtoras e imobiliárias, todos esses fatores trouxeram resultados. A Gafisa espera fechar este ano com uma receita de R$ 370 milhões, um valor 80% superior ao do ano passado. "No ano que vem deveremos crescer outros 30%", calcula Odair Senra, diretor de incorporação da companhia. Segundo ele, há uma grande demanda reprimida no setor imobiliário, principalmente nos segmentos de renda média e baixa, que dependem de financiamentos, e as intervenções do governo no sentido de favorecer a oferta de recursos aos consumidores trouxe o oxigênio que as empresas esperavam. "Começamos a sentir os efeitos do aumento do fluxo de financiamentos para a compra de imóvel. Com a tendência de queda de juros, começa a haver uma competição entre as instituições financeiras para oferecer as melhores taxas", diz ele. Além do ingresso de grupos estrangeiros no mercado, seja por meio de fundos de investimentos ou pela atuação direta - caso da norte-americana Tishman-Speyer -, a indústria da construção civil está ganhando mais liquidez com a decisão das empresas de abrir seu capital, como fizeram Cyrela e Company. "Alguns bancos de investimento também estão atuando fortemente no setor. Tudo isso irriga o mercado produtivo", avalia Tomas Salles, diretor da Lopes Consultoria de Imóveis. Com uma participação de 40% no mercado de vendas de imóveis, que no ano passado movimentou R$ 4,01 bilhões, a Lopes também espera fechar o ano com um crescimento de 12% no valor geral de vendas. "Já começam a aparecer os primeiros financiamentos imobiliários com taxas de juros menores", diz Salles. Segundo ele, os bancos privados estão sinalizando com taxas em torno de 10% ao ano - até há pouco tempo, elas não eram inferiores a 12%. A demanda por imóveis na Lopes reflete o que as pesquisas do Secovi apontam: avanço da procura por imóveis residenciais destinados às classes média, média alta e popular e recuo do interesse por unidades de alto padrão. Segundo o sindicato que reúne as imobiliárias, houve um aumento de 25% nas vendas no primeiro semestre deste ano em relação ao ano passado e as unidades mais vendidas foram as destinadas à classe média, graças ao aumento da oferta de financiamento por parte dos agentes financeiros privados, com mais prazo e menores taxas de juros. Nos planos das empresas as travas têm nome: além dos eventuais reflexos do comportamento da economia, existem a queda da MP 252 e a lei do zoneamento. Na avaliação do setor, a medida provisória, que, entre outras determinações, reduzia o recolhimento de Imposto de Renda sobre o ganho de capital de quem vendesse um imóvel, será reeditada, mantendo os principais benefícios ao setor imobiliário. Já a nova lei do zoneamento mostrará seus reflexos quando acabarem os estoques de imóveis feitos de acordo com a lei antiga, avalia Antonio Tadeu Jallad, diretor comercial da construtora Sinco, empresa, que ampliou sua receita em 40% em função da prestação de serviços para incorporadoras e construtoras deverá fechar 2006 com vendas 20% maiores. "A mudança do zoneamento reduziu pela metade o potencial construtivo. Os imóveis a serem construídos de acordo com as novas regras custarão mais", acredita ele. A abundância de recursos para a produção e os estímulos à concessão de financiamentos poderão neutralizar o impacto dessas travas e 2006 deverá ser um bom ano para todos os segmentos envolvidos: edificações habitacionais, comerciais, industriais, de turismo, dizem os analistas. A dúvida ainda é a área de infra-estrutura, que não recebeu quase nenhum investimento. "Esperávamos bons resultados com as Parcerias Público-Privadas (PPP), com as previsões de investimento necessário nas áreas de saneamento e recuperação de estradas, mas só agora, depois da crise política, é que o governo começa a abrir o caixa", afirma João Cláudio Robusti, presidente do Sinduscon. Segundo ele, há uma previsão de recursos do FGTS no total de R$ 3 bilhões para o saneamento e até agora quase nada foi liberado. Carlos Pacheco Silveira, diretor do Sinicesp, o sindicato da indústria da construção pesada, afirma que as concessionárias estão investindo bastante, mas os investimentos federais na área de obras públicas estão parados há cinco anos. De fato, até há muito pouco tempo, as obras públicas eram responsáveis pela totalidade da receita das empreiteiras. Com a queda no volume de obras públicas e as privatizações, as empresas passaram a diversificar os negócios no país e a buscar a internacionalização. A área de infra-estrutura da unidade de construção e engenharia da Camargo Corrêa, por exemplo - empresa que já tinha atuado no exterior, em 1978, com a construção de uma hidrelétrica na Venezuela - , voltou a tocar empreendimentos em vários países. Segundo Carlos Fernando Namur, diretor de projetos internacionais da companhia, a internacionalização foi conseqüência das limitações do mercado brasileiro. "A Camargo Corrêa está entre as primeiras da construção no Brasil, com um market share de 15% e é natural que busque novos caminhos". A internacionalização é um projeto de peso dentro da área de infra-estrutura da empresa. Por enquanto, a iniciativa representa 5% da receita da construtora, que deve alcançar este ano R$ 2 bilhões. Até 2009, a meta é que passe para 20% de uma receita total igualmente em ascensão. A previsão para 2005 é faturar R$ 3,5 bilhões. Embora a liberação de recursos siga a passos de tartaruga na área imobiliária, as perspectivas do setor são melhores. De acordo com o diretor do SindusconSP, até agosto, a CEF havia aplicado menos da metade dos quase R$ 10 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) reservados para o setor, mas nos últimos meses houve uma arrancada. De acordo com Romeu Chap Chap, presidente do Secovi, esse volume é o maior já orçado pelo FGTS nos últimos anos. Além desses recursos, o setor pode contar com mais R$ 12 bilhões, do SBPE, vinculado aos bancos, o que dá um total de 22 bilhões. "Se tudo correr bem, 2006 será o menor ano da história", diz ele. "Há vontade política do governo para com o setor", avalia.