Título: Alencar critica discurso de defesa de direitos sociais
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2005, Política, p. A6
Crise Há dois dias, Lula citou as três refeições diárias na mesa de todos
O vice-presidente da República, José Alencar, fez um discurso de oposição ontem, recheado de críticas indiretas ao PT e ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na convenção do recém-criado Partido Republicano Brasileiro (PRB). "Não vamos fazer discurso de que todo brasileiro tem direito a isso e aquilo; não precisamos da política para viver, mas para trabalhar pelo país", provocou Alencar, um dia depois de o presidente Lula anunciar, durante almoço com empresários em São Paulo, que ficaria satisfeito se, no fim do seu mandato, todos os brasileiros estiverem fazendo as três refeições diárias a que tem direito. Sem citar Lula, Alencar disse discordar de promessas que classificou como demagógicas. O vice-presidente é a principal estrela da nova legenda, que mudou de nome pouco mais de um mês depois da criação, quando foi batizado como de Partido Municipalista Renovador. O vice-presidente afirmou, ainda, que o PRB não nasceu para "locupletar-se" com o poder. Alencar não concorda com as taxas de crescimento média de 2,2%, 2,3% ao ano. Ele voltou a falar contra a taxa de juros e responsabilizou o pagamento dos encargos das dívidas pelos "pífios" investimentos na área de educação e infra-estrutura. "Nossas estradas acabaram; não temos recursos porque a principal rubrica do Orçamento é a destinada ao pagamento da dívida", queixou-se. "Deixamos tudo ao bel prazer dos experts do Copom (Comitê de Política Monetária) ." "Embora não tenha nada contra esses experts, a filosofia adotada pelo Copom está errada", argumentou Alencar. "Se um governante contrata uma obra de infra-estrutura pelo dobro do preço, deveria ser preso, mas nada acontece quando se cobram juros dez vezes maiores do que os praticados em outros países", comparou. Apesar do discurso independente, Alencar recusou-se a dizer se concorrerá nas eleições de 2006. No texto de divulgação do PRB, o sociólogo Mangabeira Unger aponta Alencar como o melhor quadro para liderar o processo de mudança como candidato do partido à Presidência da República. "Não sou candidato a nada, mas política é algo dinâmico, que não tem porta de saída", disse Alencar. Em outra provocação aos petistas, Alencar declarou que o PRB nasce "limpo, sem fundo partidário ou tempo de televisão, mas rico de homens e idéias". Adiantou que seu gabinete está autorizado a descontar 10% de seu salário para a nova legenda. Ele não mostrou desconforto por criticar abertamente o governo do qual faz parte. Lembrou que as queixas referem-se à política "neoliberal", iniciada no governo Fernando Henrique. Reconheceu, porém, que as críticas ao modelo econômico compõem um discurso de oposição. O vice-presidente da República não viu incômodo em participar de uma legenda com origem vinculada à Igreja Universal do Reino de Deus. Uma das principais lideranças do PRB é o senador Marcelo Crivella (RJ). Alencar acrescentou que o partido é laico - sem vinculações religiosas - e pode abrigar pessoas de diversos credos. "O que não significa que não tenhamos orgulho de que dele participem os cristãos". Convidado para ser um dos formuladores do programa de governo da nova legenda, Mangabeira Unger fez um discurso inflamado, acentuado por gestos largos e forte sotaque americano. Defendeu um novo rumo econômico e social para o Brasil. Pregou o enquadramento do "financismo" e o ataque à informalidade, pela extinção dos encargos sobre folha de pagamentos. "É a democratização das oportunidades econômicas e educacionais; é uma tarefa libertadora, com estratégias claras de contraste à política tucano-petista". Em clima de celebração, Mangabeira Unger afirmou que, de todos os problemas enfrentados pelo país, o maior deles não é econômico, político ou social, mas "espiritual". E encerrou a participação de forma abrupta: "Ânimo, companheiros, o Brasil se levantará!".