Título: Acareação deixa caso Celso Daniel longe de ser elucidado
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2005, Política, p. A8
Crise Momento mais tenso da sessão foi a tentativa de senador tucano de exibir fitas gravadas ilegalmente
A esperada acareação, na CPI dos Bingos, entre o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, e os irmãos do prefeito assassinado de Santo André, João Francisco Daniel e Bruno Daniel, foi longa, tensa, mas não elucidou o mistério que cerca a morte de Celso Daniel. Todos mantiveram a mesma versão repetida há quatro anos. Os irmãos reafirmaram a acusação de que Carvalho levava R$ 1,2 milhão em malas, fruto de um esquema de corrupção em Santo André, para o então presidente nacional do PT, deputado José Dirceu (SP). O chefe de gabinete negou. "Me desculpem, mas alguém aqui tem uma imensa capacidade de mentir", desesperou-se o senador Jefferson Péres (PDT-AM). João Francisco relembrou que a primeira conversa com o irmão assassinado sobre um esquema de corrupção em Santo André ocorreu em novembro de 2001. Na época, segundo ele, um deprimido e abatido Celso Daniel revelara que estava preparando um dossiê contra Klinger de Oliveira, Sérgio Gomes da Silva e Ronan Gomes Pinto - todos indiciados por participação no seqüestro e morte do ex-prefeito de Santo André. "Uma semana depois da morte de meu irmão, o Gilberto me disse, após comer vários pedaços de bolo de aipim em minha casa, que havia um esquema de corrupção para abastecer as contas do PT. E que ele ficava muito tenso em ter que levar, no seu Corsa preto, R$ 1,2 milhão de Santo André para São Paulo", recordou João Francisco. Carvalho negou o teor da conversa e que levasse dinheiro para Dirceu. Confirma que procurou Francisco na data mencionada para colocar-se à disposição da família, auxiliando no acompanhamento das investigações. Acusou Francisco de ser distante de Celso Daniel e de ser lobista da empresa de ônibus Expresso Guarará, autora da primeira denúncia de extorsão contra Klinger. Também protestou quanto à frieza da família, que, ao ver o depoimento de uma empregada dizendo ter encontrado dinheiro em sacolas no apartamento do petista, considerou-o como prova definitiva. "Pelo amor de Deus, todos aqueles que conheciam ou eram próximos de Celso Daniel sabiam que ele seria incapaz de um ato como esse", devolveu Carvalho. A tensão implícita no ar começou a materializar-se. Carvalho insinuou que os irmãos Daniel estavam politizando o caso. Baseou-se na tese de que a primeira denúncia foi feita durante o processo eleitoral de 2002 e que o assunto voltara à tona agora, diante da fragilidade política do Executivo. Sempre mais ponderado que o irmão, Bruno não resistiu à acusação. "Você sabe que o João foi convidado para participar da campanha de Lula, mas não aceitou, para não misturar as coisas. Como você vem agora nos acusar de politização"? protestou. A oposição aproveitou a brecha para atacar o governo. Antes da acareação, o presidente da CPI, senador Efraim Morais (PFL-PB), anunciou que requisitara, junto à 4ª Vara da Justiça Criminal de São Paulo, a cópia das 42 fitas gravadas ilegalmente, mostrando os meandros da corrupção em Santo André e a luta da cúpula petista para abafar o caso. Disse ainda que as fitas seriam periciadas pela Polícia Federal ainda ontem e disponibilizadas a todos os integrantes da CPI. No momento de sua intervenção, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) disse que tinha cópia da fita e quis passar trechos da gravação. Os governistas entraram em pânico. "Todos nós estamos interessados que a verdade venha à tona, o próprio Gilberto concorda com isso. Mas não podemos passar fragmentos de fitas, que podem estar editadas. Ou ouvimos a íntegra, ou não ouvimos nada", cobrou o senador Tião Viana (PT-AC). Depois de muita discussão, Dias se viu obrigado a ler trechos transcritos da fita, sem reprodução do áudio. A reação do governo só fez aumentar a desconfiança do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). "Eles transformaram a fita em algo muito maior do que ela é. Se ela não traz nenhuma novidade, porque esse pânico todo?" provocou o tucano. João Francisco também colocou sob suspeição a morte do legista Carlos Delmonte que, desde o primeiro momento, repetiu que Celso Daniel foi torturado antes de morrer. Desafiou Carvalho a submeter-se a um polígrafo (detector de mentiras) internacional, para desvendar as contradições e disse que o secretário de Lula estava com a alma aprisionada. "O senhor teve, por uma questão de partido, de fazer esse meio campo entre a quadrilha de Santo André e a cúpula do PT", completou Francisco. Péres indagou de Carvalho quais os motivos, descartada a possibilidade de psicopatia ou proximidade com doenças psíquicas, que levariam os irmãos de Celso Daniel a acusarem-no de forma tão explícita. "Não me compete dizer as razões. Nós tivemos divergências, mas não posso estabelecer um nexo causal entre uma coisa e outra. Só posso dizer que não devo nada e não temo nada nessa história", respondeu o petista. Carvalho disse ainda que tem orgulho de fazer parte do governo e que vai continuar exercendo a função atual até quando Lula quiser. No início da semana, chegou-se a cogitar que um mau resultado na acareação poderia representar a demissão de Carvalho. Articuladores políticos do Planalto descartavam essa possibilidade. "Se ele for afastado, estaria sendo carimbada a participação no episódio de Santo André", confirmaram fontes palacianas. Autor do requerimento original de instalação da CPI dos Bingos, o senador Magno Malta (PL-ES) apontou diversas contradições no suposto seqüestro de Celso Daniel. "Eu sei que carros com câmbio automático podem travar. Mas a bandidagem ia abrir o carro, levar o prefeito e deixar o bonitão do Sombra livre"? Para os irmãos de Celso Daniel, o PT ajudou a encerrar as investigações. "Elas foram encerradas porque a polícia achava que não havia mais indícios. Não porque o PT queria", rebateu Carvalho. O ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, disse que a avaliação de integrantes do Palácio do Planalto e de parlamentares é de que o Carvalho teve um bom desempenho na acareação. Para Wagner, Carvalho estava " tranqüilo " . "Falei com deputados e com o próprio Gilberto, e a avaliação geral é de que ele estava tranqüilo, seguro e que teria respondido tudo com segurança e firmeza. Acho que o presidente estava tranqüilo, até mesmo antes do início do processo de acareação", disseWagner, que se reuniu no fim da tarde com Lula. (Com agências noticiosas)