Título: Enfrentamento com a oposição preocupa Planalto
Autor: Maria Lúcia Delgado e Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2005, Política, p. A8

Qualquer desavisado que passasse ontem pelos cafezinhos do Senado e da Câmara - locais em que os políticos reúnem-se para conversas mais reservadas - identificaria um clima de guerra no ar, mesmo sem saber exatamente a causa. Havia um burburinho com a tentativa de votação de medidas provisórias nas duas Casas, lobby de setores econômicos por benefícios fiscais, ansiedade petista em torno da acareação entre Gilberto Carvalho (chefe de gabinete da Presidência da República) e os irmãos do prefeito assassinado Celso Daniel, expectativa com o futuro do ex-ministro José Dirceu, indignação da oposição com os cartazes que se espalharam por Brasília contra o senador Jorge Bornhausen (PFL-SC). O embate entre oposição e governo chegou a um grau crítico e preocupa o Palácio do Planalto. O governo teme que a disputa eleitoral antecipada de 2006 comprometa seriamente o ritmo de votações. A oposição já escolheu as armas para a briga: as direções do PFL e do PSDB vão levar à ordem do dia temas que atingem a política econômica. Os oposicionistas acreditam que há pelo menos R$ 3 bilhões dos Estados e municípios retidos indevidamente pela União. Trata-se do programa de parcelamento do Refis 2, o Paes. Com base em parecer do Tribunal de Contas da União (TCU), a oposição alega que os créditos de IR, INSS e IPI não foram discriminados. "Sem classificação, foi tudo para o bolo da União, sendo que parte da receita de IPI e IR de 2003, 2004 e 2005, que deveria ir para os fundos de participação (FPE e FPM), foi retida", alegou o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN). O total de arrecadação do PAES foi de R$ 6,1 bilhões. Pefelistas e tucanos vão começar uma campanha pela aprovação da reforma tributária, do aumento de um ponto percentual (de 22% para 23%) do Fundo de Participação dos Municípios e pela implementação do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR). "O governo está enchendo com muita competência a caixa de má vontade nos partidos de oposição. E isso vai funcionar na hora certa e na veia. O que é que dói mais no governo? Dinheiro. Detestam liberar dinheiro", concluiu Agripino. A briga se dará pelo discurso, na tribuna e nas CPIs. "Massacre", "guerra", "armas", "limite", "confronto". As palavras estão na boca e na rotina dos parlamentares, dos dois lados. Dificilmente prosperará a CPI do Caixa 2 que o PSDB quer instalar no Senado, apesar do empenho do líder do partido, Arthur Virgílio (AM), que tem a meta de alcançar 35 assinaturas para o requerimento. Já a CPI dos Bingos vai continuar sendo a arena central da luta. Gilberto Carvalho conseguiu sobreviver ontem, o que significa, como conseqüência, mais oxigênio para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A acareação com os "irmãos Daniel" não produziu nenhuma novidade, exceto pelas 42 fitas com diálogos telefônicos entre envolvidos no caso de Santo André. A oposição teve acesso às fitas antes dos governistas. Quem escutou boa parte dos trechos, garante que fica evidente a preocupação do PT em barrar as investigações da corrupção no município para não comprometer o partido. "Fica claro que havia algo a esconder", disse um parlamentar que teve acesso às gravações. Carvalho teria recebido a tarefa suja do PT, crêem os oposicionistas. No entanto, esses parlamentares da oposição admitem que não há nenhuma menção direta à participação do PT no assassinato de Celso Daniel, nem mesmo do envolvimento do partido em esquemas ilícitos para arrecadação de recursos. Fica a dúvida no ar, o que a oposição vai explorar na CPI. Os governistas dizem que as fitas só podem ser divulgadas na íntegra, sem edição, respeitando o devido processo jurídico, uma vez que escutas clandestinas são ilegais. "A tensão do Palácio do Planalto e do PT com essa acareação já é uma confissão", afirmou o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), integrante da CPI dos Bingos. O senador petista Tião Viana (PT-AC), escalado para a tropa de choque em defesa de Gilberto Carvalho na CPI, disse que não interessa ao governo "ver sangue" no Congresso. "Esse sentimento de ódio que começa a se impor no ambiente político é muito ruim", disse o petista. O grave, complementa Tião Vianna, é que se antes o clima já era muito ruim na Câmara, agora a guerra se estendeu para o Senado. "Não podemos abrir mão da estabilidade das instituições e da credibilidade do Parlamento", disse Vianna, vice-presidente do Senado. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), também quer paz. "Temos três CPIs em funcionamento. Defendemos que tudo seja investigado, mas nossa preocupação é que esse clima prejudique o processo legislativo", confessou. O embate governo e oposição, explicou Mercadante, começa a inviabilizar o que era uma tradição no Senado: as discussões de mérito sobre as propostas. "Com esse ambiente, temos dificuldade em avançar", disse. "Se está ruim? Está tão ruim quanto sempre esteve", diz o líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), quando questionado sobre a relação entre tucanos e petistas. Não há dúvida, segundo o tucano, que o clima político está excessivamente contaminado, mas as votações não serão inviabilizadas quando se tratarem de temas relevantes para o país. Do lado de lá, outras ponderações: "Estou pronto para baixar as armas", diz o líder do PT na Câmara, Henrique Fontana (RS). "Mas se dão um tiro de lá, damos de cá".