Título: UE fará proposta "sob condições"
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 28/10/2005, Brasil, p. A6

Comércio exterior França ameaça bloquear Doha dependendo das ofertas que forem feitas

A União Européia (UE) apresentará hoje ao Brasil, Estados Unidos e Índia uma nova oferta para cortar tarifas e subsídios agrícolas, condicionada a concessões em produtos industriais e serviços, confirmaram fontes de Bruxelas. Mas o presidente francês, Jacques Chirac, advertiu que pode bloquear a Rodada Doha se Bruxelas aceitar cortes maiores nos subsídios agrícolas europeus. Negociadores avaliam que o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, tem espaço para propor corte tarifário superior a 36% na média, comparado aos 25% que defendeu até agora - mas ainda insuficiente para atender Brasil e EUA. A ação da UE, que terá impacto no futuro da Rodada Doha, pode tentar transferir a pressão para o Brasil, Índia e outros países emergentes, com as opções que planeja propor hoje. Isso ocorrerá durante vídeo-conferência entre o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, em Bruxelas, o ministro Celso Amorim, em Brasília, o negociador americano Rob Portman, em Washington, e o indiano Kamal Nath, em Nova Déli. Antecedendo o movimento europeu, Chirac advertiu ontem, em Londres, que está disposto a usar seu direito de veto se Bruxelas for além da reforma da Política Agrícola Comum (PAC). Mandelson também diz que só vai atuar com base na PAC. O problema é a divergência de interpretação sobre os limites do mandato permitido pela reforma da agricultura européia. Negociadores identificam, em todo caso, flexibilidade de Bruxelas para limitar os produtos sensíveis, que terão cortes menores -- mas tudo dependendo de reciprocidades. Até agora, a UE defendia que esses produtos representassem 8% das linhas tarifárias (categorias de produtos), contra 1% proposto pelos Estados Unidos e pelo G-20. Agora, pode baixar sua pretensão, inclusive para reduzir nos 50 produtos hoje submetidos a cotas (restrições quantitativas para entrar no mercado europeu). Para o negociador comercial chefe dos EUA, Rob Portman, uma oferta européia só será considerada se as reduções tarifárias variarem entre 45% e 75%, como proposto pelo G-20, o grupo liderado pelo Brasil na negociação agrícola. Entre membros do G-20 há temores de que uma oferta pouco significativa da UE seja imediatamente aceita pela Índia, que resiste a abrir seu mercado tanto a produtos agrícolas como industriais. A evidência é que Mandelson tem pouca margem de manobra. Os políticos franceses sabem que ficar contra a OMC dá votos e não poupam cartucho contra a negociação. A poderosa confederação de agricultores européia Copa-Cogeca também acusa Mandelson de colocar em perigo milhares de empregos europeus. Para essa entidade, o Brasil, Austrália, Canadá e Nova Zelândia serão os únicos a se beneficiar de concessões agrícolas européias, ampliando suas fatias de mercados. Nesse cenário, Mandelson apela por concessões significativas na área industrial por parte do Brasil e outros grandes países em desenvolvimento, para ajudar sua própria posição negociadora junto a seus 25 países membros. Para o Brasil, porém, uma oferta modesta na agricultura vai provocar queda idêntica de ambição nas outras áreas da rodada. EUA e UE pressionam para que os emergentes aceitem fórmula com coeficiente 10 na fórmula de redução tarifária na área industrial. Segundo eles, só assim haveria efetiva abertura de mercados. Com esse coeficiente, a tarifa máxima no Brasil cairia para 10%, comparado aos 35% atuais, ficando na média aplicada hoje. O Brasil descarta esse cenário. Acha que nenhum ganho atualmente em vista na negociação agrícola justifica aceitá-lo. Se por outro lado o coeficiente 30 numa fórmula suíça for aceito para as nações em desenvolvimento, o Brasil terá de fazer corte de 50% nas suas alíquotas consolidadas e de 10% na tarifas realmente aplicadas. Além disso, o país quer que a fórmula possa ser complementada com flexibilidade para poupar setores sensíveis, como automobilístico, de têxteis, calçados e químicos, que assim enfrentariam menor concorrência externa. Mas dentro dos próprios industrializados começam as divergências. Cingapura e Hong Kong cobram para UE e EUA aceitarem corte maior de suas próprias tarifas industriais. Já o Japão, terceira maior economia do planeta, quer flexibilidade para proteger alguns setores.