Título: O Estado e o controle privado nacional
Autor: Raquel Balarin
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2005, Brasil, p. A2

Um grupo indiano sondou alguns acionistas da mineradora Vale do Rio Doce no fim do ano passado para saber se haveria interesse na alienação do controle da companhia. Foram desencorajados logo na saída. Ouviram que o governo brasileiro não permitiria que a empresa caísse nas mãos de estrangeiros. A regra não está escrita em lugar algum, mas corre de boca-em-boca e se tornou pública no fim de 2003, quando o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa pagou R$ 1,5 bilhão para adquirir a participação dos funcionários na Valepar, holding que controla a companhia, sob o argumento de que as ações poderiam cair nas mãos de estrangeiros. Lessa foi duramente criticado, embora muitos políticos e governantes tenham considerado a causa "nobre". Discutir se o governo tem ou não o direito de eleger setores e companhias, nos quais deseja manter o controle nas mãos de grupos nacionais, pode soar como uma terrível interferência estatal, digna de uma gestão petista. Errado. A discussão está presente hoje em todo o mundo. A mesma Vale do Rio Doce gerou polêmica na França no início do segundo semestre deste ano quando surgiram notícias (desmentidas pela companhia) de que a mineradora estaria negociando a compra da francesa Eramet, uma das maiores produtoras ocidentais de níquel. Pouco antes, o país europeu já havia sido sacudido pela tentativa da Pepsico de aquisição hostil da Danone. A reação aos dois eventos foi uma declaração, no fim de agosto, do ministro francês da Indústria, François Loos, de que o país estaria preparando uma lista de setores considerados de importância essencial, e que, por esse motivo, deveriam ser protegidos da tentativa de controle por parte de empresas estrangeiras. A reação protecionista da França está sendo acompanhada com cuidado pela União Européia, já que regras comunitárias sobre aquisições foram adotadas pelos países membros em 2003, após 14 anos de negociações. Extra-oficialmente, porém, a Comissão Européia considera que as declarações de Loos indicam que não haverá violação às regras. O ministro explicou ao jornal "Les Echos" que o objetivo não é que o governo se oponha a aquisições de empresas nacionais por estrangeiros, mas de dar às companhias francesas competitividade e independência, para que elas tenham igualdade de condições às estrangeiras. Na prática, isso pode significar, por exemplo, concessão de financiamentos em momentos adversos ou para expansões. A França é conhecida por seu protecionismo, mas vale a pena pensar um pouco sobre a polêmica. A tal lista de setores especiais será pública, divulgada. Haverá, portanto, transparência sobre os setores que podem ser beneficiados. É algo que não acontece por aqui. Informalmente, sabe-se que o governo não quer que empresas como Vale do Rio Doce, Petrobras e Embraer sejam vendidas a estrangeiros. Também se sabe que o governo tem interesse na manutenção de ao menos um grande grupo forte nas áreas de telecomunicações e energia. Esta semana, o BNDES indicou ainda que considera o setor de aviação comercial estratégico, ao anunciar que participará da capitalização da Varig (embora, nesse caso, a operação seja de salvamento e não de proteção contra o capital estrangeiro).

França vai proteger suas indústrias de estrangeiros

Uma das vantagens de se estabelecer setores especiais seria fomentar a expansão internacional das empresas desses segmentos, transformando-as de alvos de aquisição a compradoras. Grupos ganhariam escala e se tornariam mais competitivos. O país poderia explorar áreas em que tem vantagem comparativa. Riscos e desvantagens, porém, não são desprezíveis. É preciso evitar uma volta à era do Estado paternalista, fortemente influenciável por corruptores e aventureiros. Regras claras e transparência nas decisões minimizariam esse risco. Um executivo de um banco de investimento também alerta para uma questão econômica. Uma tentativa de aquisição pode elevar o preço das ações de uma companhia, como ocorreu com os papéis da Canico depois que a Vale (sempre ela!) ofereceu 17,50 dólares canadenses pelas ações da mineradora canadense. Seria uma oportunidade para que investidores minoritários locais vendessem seus papéis e, com o lucro, reinvestissem em empresas com potencial de crescimento. Se o Estado interferir em uma oferta de aquisição, diz esse executivo, poderá impedir que acionistas minoritários - em parte formados por cidadãos locais - obtenham o melhor valor por seus papéis. Ele admite, porém, que isso é mais importante em países como os Estados Unidos, que têm um mercado de capitais altamente desenvolvido e no qual investimentos em bolsas de valores fazem parte do cotidiano do cidadão. No Brasil, embora tenha havido uma ampliação do número de investidores pessoa física na bolsa nos últimos anos, o universo da participação direta dos cidadãos comuns no capital da maioria das empresas é insignificante. Para quem ainda acredita que essa discussão sobre controle nacional de empresas estratégicas é típica de governos nacionalistas como o do PT, o executivo (que, diga-se de passagem, trabalha para um banco estrangeiro) lembra que também o governo do PSDB, taxado de neoliberal, adotou essa estratégia, às escondidas, na privatização. O governo Fernando Henrique Cardoso incentivou os fundos de pensão a apoiar o empresário Benjamin Steinbruch no consórcio que se tornou vencedor do leilão de privatização da Vale do Rio Doce. Também permitiu que o Bradesco entrasse no bloco de controle da mineradora. O edital do leilão de privatização impedia que empresas que participassem da modelagem de venda ou da avaliação das estatais fizessem parte de consórcios compradores. O Bradesco não participou. Mas comprou as debêntures emitidas por empresas do Opportunity para financiar a aquisição da Vale. As empresas de Daniel Dantas não liquidaram os títulos no vencimento e o Bradesco tomou como pagamento as ações na holding Valepar. É clássico também o caso de incentivo à formação de um grupo nacional para adquirir a Telemar. Vale a pena parar para pensar. É pecado ter uma lista de setores especiais? Ou é pecado que ela exista e que poucos a conheçam?