Título: Os estragos lamentáveis do câmbio superapreciado
Autor: Luciano Coutinho
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2005, Opinião, p. A11

Efeitos negativos sobre o desempenho comercial, decorrentes da apreciação da taxa de câmbio nos últimos 12 meses, começam a ficar evidentes. Há uma clara desaceleração do crescimento do quantum das exportações. Considerando o 1º semestre de 2005, o quantum exportado cresceu 12,3% (sobre o 1º semestre de 2004), contra 19,8% no 1º semestre de 2004 e 26,8% no 1º de 2003. A desaceleração do quantum só não se traduziu numa desaceleração expressiva do crescimento do valor total das exportações porque os preços de vários produtos importantes na nossa pauta (commodities principalmente) ainda persistiram em alta. Esses preços muito favoráveis (especialmente nos casos da siderurgia, café, minérios, petróleo e petroquímicos, carnes, metais não-ferrosos) mitigam ou neutralizam o efeito da apreciação da taxa de câmbio sobre a rentabilidade dessas atividades exportadoras (e até estimularam em alguns casos excepcionais uma aceleração do quantum exportado no 1º semestre de 2005). De outro lado, a apreciação cambial vem excitando a taxa de crescimento do quantum das importações que passou a superar a das exportações, invertendo de positiva para negativa a contribuição da balança comercial ao crescimento do PIB. As importações de vários produtos de consumo registraram forte expansão no 1º semestre deste ano, com destaque para artigos de vestuário, laticínios e automóveis. Ressalte-se, ainda, o significativo aumento recente dos gastos com viagens ao exterior. Ou seja, não se pode simplesmente atribuir à apreciação cambial a vantagem (verdadeira) de baratear a importação de bens de capital, sem também registrar o efeito negativo representado pelo aumento do componente importado do consumo. Um exame dos efeitos da apreciação cambial sobre a rentabilidade das exportações (com base nos dados mais recentes da Funcex) revela uma queda generalizada dos indicadores no 1º semestre deste ano para todos os setores manufatureiros (com as exceções da siderurgia e petróleo e petroquímica em função dos preços externos superfavoráveis) e também para quase todos os agronegócios. Essas quedas de rentabilidade são expressivas (entre 10% e 30%) e sinalizam desestímulo à continuidade da expansão das exportações. Tome-se o exemplo do setor automobilístico, que tem peso relevante nas exportações totais (quase 10% no período janeiro-setembro deste ano). Após as depreciações da taxa de câmbio em 2001 e 2002 e contando com elevada margem de capacidade ociosa, as subsidiárias das transnacionais do setor negociaram grandes contratos de exportação para determinados produtos que podiam oferecer vantajosamente no âmbito do comércio global de suas respectivas firmas. Esses contratos, que produziram um forte surto de exportações de veículos nos últimos 30 meses, tornaram-se muito pouco rentáveis ou até gravosos por conta da apreciação cambial. Sob essas condições, as plataformas brasileiras das transnacionais não têm como reivindicar às matrizes novos mandatos de produtos para exportação. Mantida a sobrevalorização cambial, o resultado inevitável será estabilização e posterior retrocesso das exportações de automóveis. Com efeito, dados da Anfavea dessazonalizados indicam uma reversão, de julho para setembro passado, da exportação de autoveículos (queda de 72 mil para 65 mil unidades/mês).

Perda de rentabilidade afetará desfavoravelmente as exportações de setores manufatureiros que o Brasil tem condições de consolidar

A perda de rentabilidade certamente afetará desfavoravelmente as exportações de outros setores manufatureiros que o Brasil tem plenas condições de consolidar como especialização competitiva. Setores como máquinas agrícolas e tratores, segmentos de equipamentos eletrônicos e de telecomunicações, material elétrico, autopeças, mobiliário de madeira, tenderão a interromper uma promissora trajetória de expansão exportadora. Além disso, descartar-se-ia a possibilidade de recuperar a competitividade de cadeias importantes, como as de calçados e vestuário. A apreciação cambial prolongada também vem prejudicando seriamente a maior parte das cadeias de agronegócios, reconhecidamente competitivas. Com diminuição moderada do quantum exportado e preços em queda, a redução do saldo comercial do setor agropecuário no 1º semestre de 2005 (em relação à 2004) foi expressiva, representando uma perda de US$ 1 bilhão. Dos agronegócios importantes, salvam-se apenas três cadeias cujas exportações estão beneficiadas por preços muito favoráveis, a saber: açúcar, café e carnes. Infelizmente neste último caso o bom desempenho vai ser interrompido pelo aparecimento de focos de febre aftosa. A hipótese de que a expansão do comércio internacional, sob a pressão da demanda chinesa, criará um ciclo duradouro de preços elevados para as commodities, e que isto recomendaria um aprofundamento da especialização brasileira na produção de primários e semi-processados, é problemática. Desde logo os preços internacionais altos não beneficiam todo o leque dos nossos setores competitivos, mas apenas (e de forma heterogênea) a um subconjunto (que é, por enquanto, importante). Mas nada garante que esses preços persistirão favoráveis. Expansões de capacidade de oferta (inclusive na própria China, como é o caso da siderurgia) podem mudar o quadro. Não é sensato, portanto, sacrificar as chances de desenvolvimento competitivo de muitos setores em decorrência da taxa de câmbio sobrevalorizada que, por sua vez, resulta de uma política monetária canhestra e mal calibrada. A comemorada "blindagem" da economia brasileira (em face da crise política) só tem sido possível mercê do notável robustecimento do balanço de pagamentos nos últimos três anos, robustecimento esse resultante do forte superávit comercial. Muitos já querem dinamitar esse superávit, advogando negligência ante a sobrevalorização da taxa de câmbio antes mesmo que se tenha recomposto um colchão suficiente de reservas. Ignoram que as economias em desenvolvimento que crescem vigorosamente combinam fortaleza externa (reservas altas) com autonomia para ter juros baixos, taxa de câmbio competitiva e estável e inflação controlada pela firme expansão da oferta.