Título: Política ameaça software indiano
Autor: Andy Mukherjee
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2005, Opinião, p. A11

Indústria de TI é criticada por receber benefícios do governo e coibir direito de greve

Os exportadores de software de computadores da Índia vão atolando lentamente no lamaçal da política desagregadora, e ficando na iminência de perder uma das suas principais vantagens sobre setores tradicionais, como o fabril e os serviços bancários. Um ex-premiê indiano questionou nesta semana a lógica existente por trás da alocação de terras do governo em Bangalore, a cidade da alta tecnologia, e em seus arredores, a empresas como Infosys Technologies, a segunda maior provedora de serviços de software do país. "Os favores prestados aos setores de tecnologia de informação (TI) e de biotecnologia não só atrairão críticas públicas, como também desacreditarão" o governo, disse H. D. Deve Gowda, que exerceu o cargo de premiê entre junho de 1996 e abril de 1997, em declaração ao jornal "Economic Times". O segmento de serviços de tecnologia da Índia, que movimenta US$ 22 bilhões, deparou-se com mais um desafio na semana passada, quando Prakash Karat, o secretário-geral do principal partido marxista da Índia, escreveu um artigo argumentando que os trabalhadores tinham um direito universal à greve. O comentário de Karat, publicado num boletim do seu partido, não trata especificamente da indústria do software. Ele se limita a dizer que "os trabalhadores repelirão todas as tentativas de impor restrições sobre o direito de protestar e o direito de entrar em greve". O comentário, contudo, forneceu aos políticos da esquerda munição ideológica suficiente para ir atrás de governos de províncias como o de Bengala Ocidental, que proibiu greves de programadores e administradores de redes, ao declarar que esses trabalhadores prestam um "serviço essencial". Na esteira do artigo de Karat, o líder do Partido Comunista da Índia, D. Raja, perguntou retoricamente: "Os empregados em tecnologia da informação não seriam trabalhadores da indústria?" A interferência política na indústria do software, o mascote da ressurreição econômica da Índia, é inevitável e ao mesmo tempo arriscada. É inevitável porque a indústria de software indiana não é mais um pequeno traço na tela de radar dos políticos. As exportações de serviços e de softwares são responsáveis por mais de um quinto de todas as remessas de commodities e produtos da Índia. Incluindo todas as centrais de atendimento, centros de prescrição médica e outros serviços de suporte, a indústria de TI da Índia atualmente emprega mais de um milhão de pessoas. Os meios de comunicação do mundo monitoram com interesse seus sucessos e suas adversidades. A intromissão política é perigosa porque os investidores globais, que já aplicaram cerca de US$ 35 bilhões em participações acionárias indianas desde 2000, poderão começar a projetar uma visão sombria do país se o seu altamente lucrativo setor de conhecimento for ameaçado. Em cada empresa de software indiana de grande porte, um grupo de pessoas fica sentado em uma sala de alta segurança fitando atentamente as suas telas de computador, aparentemente com pouco a fazer. Esses engenheiros muito bem treinados ficam monitorando redes de computadores de grandes corporações globais, garantindo o seu funcionamento regular o tempo todo. Para conquistar esses segmentos, as empresas de software indianas precisaram convencer os clientes do Ocidente de que suas redes não ficarão sem monitoramento ainda que irrompa uma guerra com o Paquistão. O trabalho rende à Índia milhões de dólares a cada ano. O que acontecerá se esses engenheiros iniciarem uma greve e os sistemas de computação de um banco global desabarem?

Cidade de Bangalore, onde há alocação de terras do governo a empresas de software, teve imóveis valorizados devido à presença da indústria

Superficialmente, poderá parecer que a rixa recente do setor com a política é um pequeno evento sem importância, resultado de uns poucos luminares políticos tentando acertar contas e usando o software como uma armadilha. Deve Gowda, por exemplo, pode estar questionando as alocações de terras para desforrar do presidente do conselho da Infosys, N.R. Narayana Murthy. As críticas sonoras de Murthy sobre a infra-estrutura urbana desordenada de Bangalore irritaram Deve Gowda. Seu partido integra a coalizão que governa a província de Karnataka, da qual Bangalore é a capital. Da mesma forma, a insistência de Karat sobre o direito de entrar em greve pode estar sendo menos dirigida contra o setor de software e mais contra seu colega marxista Buddhadev Bhattacharya, ministro-chefe da província indiana oriental de Bengala Ocidental. Os marxistas mais dogmáticos ficaram ofendidos com as políticas favoráveis aos investidores, para não mencionar a sua queda por citações de Deng Xiaoping, o falecido líder comunista chinês que pôs um fim às políticas econômicas isolacionistas do seu país. Os céticos poderão argumentar que a ameaça de interferência política é irreal. Afinal, porque desejariam os regiamente remunerados engenheiros que recebem aumentos de 10% a 15% ao ano se juntar aos sindicatos políticos de esquerda? A resposta é simples. Considerando-se que os comunistas dominam o movimento do trabalho organizado da Índia, os trabalhadores que tentam se organizar para as negociações coletivas têm pouca escolha. Pelo mesmo motivo, funcionários de bancos e de seguradoras na Índia também são membros de sindicatos aliados aos comunistas. O "Centro de Sindicatos de Trabalhadores Indianos", vinculado ao partido de Karat, está seriamente empenhado em ingressar nas empresas de softwares. Ele já formou um pequeno sindicato em Kolkata, a capital de Bengala Ocidental. Esses "operários da era da informação", como se referiu aos profissionais de software o presidente do partido, M.K. Pandhe, em uma entrevista recente ao website Rediff.com, "labutam por longas horas, trabalham à noite, e alguns deles ainda recebem salários insuficientes". Salários insuficientes? Os salários das centrais de atendimento são mais altos que os pagos pelos institutos de tecnologia indianos aos seus professores. Considerando-se que o tédio e o estresse são inevitáveis, alguns empregadores oferecem lições de dança nos locais de trabalho. Quanto à reclamação de Deve Godwa sobre conceder terras a empresas de software, ele deveria formular essa única pergunta a si mesmo: "Quem ou o que valorizou os imóveis de Bangalore?" Afinal, a cidade dispõe de poucas vias públicas boas, carece de um aeroporto eficiente e é assolada por graves casos de escassez de água. Onde estaria Bangalore hoje sem o software? A política, no entanto, nem sempre atua na esfera da razão. Assim sendo, o setor de software, a galinha dos ovos de ouro da economia indiana, precisa resistir à intimidação política com todo o seu poder de influência; esta é a única forma de fazer as facas retornarem às suas bainhas.