Título: "Supergreve" na Receita Federal já provoca prejuízo às empresas
Autor: Felipe Frisch
Fonte: Valor Econômico, 21/10/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Paralisação Super-Receita opõe técnicos e auditores e deixa 30 mil solicitações sem resposta

Uma multinacional do setor automobilístico com fábrica no Brasil, que depende da importação de peças, ameaça fechar suas portas locais nos próximos meses por não conseguir a documentação necessária para liberar os produtos na alfândega. Já uma indústria têxtil pode chegar a quebrar se deixar de participar de uma licitação em andamento, por causa do preenchimento errado de um boleto de recolhimento de imposto de renda e de um débito de R$ 300,00 e por não conseguir a correção a tempo. A explicação para a proporção que os dois problemas - que costumam fazer parte do cotidiano das empresas - tomaram é uma só, mas são duas as causas: as greves simultâneas dos técnicos e dos auditores fiscais da Receita Federal, motivadas politicamente pela votação do projeto de transformação da Medida Provisória nº 258 - que criou a Receita Federal do Brasil - em lei. O texto une as secretarias da Receita Federal e de Receita Previdenciária e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional sob o guarda-chuva da "Super-Receita". A rivalidade entre as duas classes de funcionários da Receita é antiga e o impasse se deve justamente aos interesses divergentes e às brigas internas dentro do órgão. De um lado, técnicos querem ver no texto em discussão na Câmara dos Deputados a inclusão da emenda que define as atribuições que, na prática, a categoria exerce. A Lei nº 10.593, de 2002, define os técnicos da Receita apenas como auxiliares dos auditores. "Hoje fazemos todo o procedimento e o auditor só assina", contesta o presidente do Sindireceita, o sindicato dos técnicos, Paulo Antenor de Oliveira. "Queremos ver na lei o que o técnico já faz hoje, por uma questão de dignidade", diz. De outro lado, auditores fiscais temem que a mudança na legislação da categoria sirva para outros servidores avançarem sobre o cargo dos auditores, defende Carlos Eduardo Mantovani, do Unafisco, o sindicato da categoria. O receio a respeito da invasão de categorias aumenta com a tentativa do governo de promover o treinamento conjunto dos auditores da Receita e do INSS no sistema de geração de auto de infrações. "O nosso pleito é manter a separação como está e manter o princípio constitucional do concurso público", diz Mantovani. Ou seja, dificilmente a medida provisória transformada em lei será uma unanimidade dentro da Receita. O dirigente admite que o clima de trabalho dentro da Receita Federal, desde a criação da Super-Receita, já estava "bastante ruim entre técnicos e auditores por conta dessas diferenças". Os questionamentos envolvem até o nível de estudo exigido. O cargo de técnico só passou a exigir curso superior em 1999, enquanto os auditores já eram obrigados a ter faculdade. Para mensurar alguns prejuízos causados pelas paralisações dos principais cargos da Receita Federal, a estimativa do Sindireceita é a de que já existam 30 mil pedidos de certidão negativa de débitos (CND) e de CNPJ, para a abertura de empresas, parados somente em São Paulo apenas no período da greve. No Paraná, a estimativa é a de que eles já somem 15 mil. Paulo Antenor, do Sindireceita, garante que o efetivo de 30% dos funcionários, garantidos por liminar conseguida pela Receita Federal na semana passada, está sendo cumprido. Mas reconhece que "nem 100% do efetivo dá conta de todo o serviço" e admite que a lentidão faz parte da estratégia de pressionar o governo. O Sindicato das Empresas se Serviços Contábeis de São Paulo (Sescon-SP) estima que, desde julho, cerca de 75 mil autos de infração tenham sido recebidos pelos empresários paulistas. O problema é que a emissão é automática, mas a correção depende da contestação perante um técnico. Segundo advogados, muitos débitos são gerados por simples erro nas declarações. O principal problema causado pela greve da Receita é a impossibilidade de emissão da CND. Sem ela, as empresas ficam impossibilitadas de tomar empréstimos, participar de licitações, realizar operações societárias, vender imóveis, e liberar mercadorias na alfândega. Além disso, com a unificação das certidões da Receita Federal e da Procuradoria da Fazenda, quem tem débito em uma das instâncias fica sem o documento que vale para ambas, mesmo que esteja em dia na outra, explica Marcos Catão, do escritório Vinhas Advogados. "Tenho visto situações kafkanianas na Receita", afirma. O exemplo da multinacional impedida de importar por não conseguir a emissão do documento de capacidade econômico-financeira, que autoriza importações e exportações, é de um cliente dele. "Para construtoras, portos e algumas empresas médias, um dia sem CND pode ser a morte", diz. Para Daniel Lacasa Maya, sócio do Machado Associados, a solução para muitas empresas acaba sendo recorrer à Justiça, pedindo uma liminar que exija a emissão da certidão, mas poucas podem arcar com estes custos.